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Publicado a: 07/06/2017

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[TEXTO] Rute Correia

Ainda não chegámos a dia 21, mas é certo que o Verão já aí está e com ele chega toda uma panóplia de canções à sua medida. O Verão é aquela estação em que a sofisticação é substituída pelos desejos que deixamos transpirar em festas que puxam pelo mais humano que há em nós. Em Portugal, é uma temporada particularmente globalizada. Por influências de nuestros hermanos e confluências atlânticas, a musicalidade do nosso território por esta altura é um caso particular em comparação com o panorama internacional, conseguindo juntar no alinhamento de qualquer arraial sons tão distintos como os hits do momento, pimba, kizomba, funk carioca e, claro, reggaeton. Também não somos muito esquisitos em termos de idiomas: sem grandes dificuldades, entoamos refrões em português daqui e de outros lados, em inglês ou, até, em espanhol. Ora, a julgar pelo que se ouve nos 19 minutos que compõem Know No Better, parece que a equipa liderada por Diplo passou o último mês nas romarias que se vão acumulando e espalhando pelo país fora – com tudo o que isso tem de bom e de mau.

Podia só deixar aqui que o EP é todo ele muito trashy, muito brega, muito bom. É verdade que em termos de conteúdo arrisco a dizer que é um bocado oco, mas quem só quer abanar a anca e libertar o corpo não precisa de grandes discursos. Registo de produção irrepreensível, conta com mais de uma mão cheia de singles à espera de fazer as delícias de quem prefere uma pista de danças mais arrebatadas. Além das suas habituais influências de dancehall, os Major Lazer trazem influências tropicais que vão bem para lá do antigo império britânico e, de certa forma, uma espécie de regresso às origens do seu trabalho. Há toques de trap e daquele tropical house mais comercial que tem reinado as tabelas nos últimos anos, mas também há reggaeton, soca, moombahton, moombahcore e vestígios de r&b apopalhado. Sem grandes entrelinhas e de linguagem tão directa quanto um hit permite, paradoxalmente, é nas palavras que está a maior surpresa do disco. Em apenas seis temas, ouvem-se quatro línguas diferentes: inglês, patois jamaicano, português do Brasil e espanhol.

Não será, certamente, por acaso que um EP assim chega nesta altura do campeonato. Afinal, pela primeira vez em 20 anos (e pela terceira na história) uma canção cantada maioritariamente em espanhol lidera Billboard Hot 100 nos Estados Unidos (e já lá está há quatro semanas), mas este indicador de sucesso não vive isolado. Falar de fusões latinas implica, em 2017, falar de “Despacito” de Luís Fonsi e Daddy Yankee. Nas suas várias versões e remisturas, o tema chegou ao #1 em mais de quarenta países e as platinas acumulam-se pelo mundo fora. Claro que não é um fenómeno isolado; a escalada latina anda por aí em força há quase duas décadas e também há já muitos anos que artistas internacionais gravam versões em espanhol dos seus hits para agradar aos mercados latinos. Esta febre por ritmos que colam cinturas (e outras partes do corpo) parece ter atingido o píncaro e o trio de produtores sabe disso.

Bem mais brilhante que Travis Scott, Camila Cabello e Quavo, que entregam o quase insípido tema inicial, o colombiano J Balvin é estrela cintilante neste festival de produções. Ao lado de Sean Paul, entrega um “Buscando Huellas” que escorrega tipo mel e faz com que se destaque das restantes colaborações, mas não é o único.

“Se você não vem eu vou botar pressão
Não vou te esperar, tô cheia de opção
Eu não sou mulher de aturar sermão
Me encara, se prepara
Que eu vou jogar bem na sua cara”

São as brasileiras Anitta e Pabllo Vittar que dão o mote ao refrão mais cheio de frescura do EP e fazem subir a temperatura com “Sua Cara”. Num mundo repleto de versos que se orgulham de ser misóginos, é sempre de saudar quando uma mulher chega poderosa, feita rainha do pedaço, sem medo de fazer frente ao sexismo instalado; algo particularmente notável se tivermos em consideração que as influências que mais se ouvem neste EP (e na generalidade do trabalho do grupo de Diplo, Jillionaire e Walshy Fire) são o dancehall e o reggaeton, dois movimentos com inclinações tipicamente machistas.

A lista de convidados é longa, como de costume na obra dos Major Lazer. Além dos já mencionados, também aparecem Nasty C, Ice Prince, Patoranking, Jidenna, Busy Signal, Machel Montano e Konshens. São os dois últimos que encerram o registo em grande. “Front of the Line” não tem a mesma densidade lírica de Stromae, nem a mesma abordagem cosmopolita a um eurodance quase apocalíptico, mas denota semelhanças difíceis de ignorar quando se conhece o trabalho de uns e de outros. Afinal, depois de uma remistura não seria de estranhar uma colaboração mais assumida entre ambas as partes. Continuaremos a aguardar.

Se à primeira audição encontramos um EP desprovido de identidade, tal como um arraial igual a tantos outros, uma análise atenta revela um registo com ideias importantes. Know No Better está recheado de fórmulas perpetuamente repetidas durante os últimos dois ou três anos, mas desenha um retrato pertinente do estado da música actual. O domínio anglófono mantém-se, mas viajar para universos onde se ouvem outros ritmos e outras línguas traz um valor acrescido. Num mundo em que os dois maiores motores do idioma inglês parecem querer fechar-se cada vez mais, não é de estranhar que o espanhol (que tem tantos falantes nativos como o inglês) ou o português (que é a terceira língua mais usada na Internet) comecem a chegar cada vez mais longe e a ter cada vez mais peso para lá das zonas de influência habituais.

Sem mais demora, venham de lá as festas suadas deste Estio, que nós cantamos línguas diversas e dançamos ritmos de ambos os hemisférios.

 


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