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Publicado a: 05/06/2018

Lorde, a anti-heroína da pop

Publicado a: 05/06/2018

[TEXTO] Vera Brito [FOTO] Direitos Reservados

O que há afinal em Ella Yelich-O’Connor, Lorde, que todos adoram? É uma pergunta com várias hipóteses de resposta e para a qual no final não estamos seguros de encontrar solução. Pode parecer até uma questão superlativa, há claro aqueles a quem a neozelandesa não atingiu, mas estamos a apoiar-nos sobretudo na sua carreira fulgurante, na crítica que consensualmente a aclamou, no seu público devoto (que é quase sempre quem mais ordena) e nas muitas figuras de peso da música que viram nela uma espécie de messias dentro do marasmo pop para as novas/futuras gerações.

David Bowie referiu-a como “o futuro da música”, Dave Grohl comparou-a à convulsão que os Nirvana provocaram nos anos 90, Kanye West é fã e músicos como Bruce Springsteen, Run The Jewels ou Jack White já remisturaram ou fizeram versões de canções suas. O que viram todos estes artistas, de espectro musical tão diverso, numa miúda que tinha apenas 16 anos quando lançou o seu primeiro disco, Pure Heroine, lá do lado mais esquecido do mundo? Aos que não apreciam Lorde, isto deve ao menos intrigar-vos.

De descendência irlandesa e croata, nascida e criada numa pequena região da Nova Zelândia, um dos factores que mais impressionava à data da sua revelação era a sua precoce maturidade. Evidente nas suas letras (Pure Heroine abre com o verso:

“Don’t you think that it’s boring how people talk?
Making smart with their words again, well I’m bored
Because I’m doing this for the thrill of it, killin’ it
Never not chasing a million things I want
And I am only as young as the minute is, full of it
Getting pumped up from the little bright things I bought
But I know they’ll never own me”

E evidente também na sua presença em palco de olhar astuto e de movimentos livres e esdrúxulos não-coreografados. Maturidade que terá possível explicação no facto de, desde criança, Lorde ser ávida leitora de obras exigentes, garantidamente influência da mãe, a poetisa Sonja Yelich.

Uma maturidade não forçada e que apesar de tudo conservava uma certa ingenuidade, própria da adolescência e da falta de vivências. Melodrama, o seu novo disco, surge quatro anos após Pure Heroine e vem carregado de um peso diferente. Para começar, quatro anos podem até não parecer muito, mas é importante notar que para Lorde representaram a passagem para a idade adulta. Pelo meio houve uma separação dolorosa do namorado de longa data, expiada em muitas das faixas do disco que a levou a uma mudança de cenário, trocando a placidez neozelandesa pela estimulante Nova Iorque, onde Melodrama foi gravado ao lado de Jack Antonoff, vocalista e compositor dos Bleachers. Tentemos imaginar ainda a cabeça de uma jovem que, em menos de um ano, quando o single “Royals” rebentou, se vê de repente ao lado dos seus heróis e a sua normalidade passa de ouvir Kanye West nos headphones no seu quarto para passear com o próprio pelas ruas de Paris ou cantar várias canções suas por diversos palcos americanos. É preciso estofo para crescer a este ritmo mesmo quando se tem uma boa cabeça.

 



Outra das coisas que gostamos de Lorde é do seu nome artístico. Não pela aspiração à realeza, pela qual confessa sentir fascínio, mas por aquele “e” ali no final que transforma uma palavra tão historicamente masculina que nem sequer tem real equivalente no feminino. Pois bem, agora se calhar já o tem. Lorde é confessa defensora do feminismo sem extremismos, aquele que luta por iguais condições e tratamento para todas as mulheres, sem excluir ninguém.

Também não falámos ainda de como gostamos da sua voz de elasticidade invejável. Forte e reconfortante nos graves, segura e audaciosa nos agudos. Uma daquelas vozes cheias de personalidade, reconhecível às primeiras notas, que Lorde sabe manipular com perícia oferecendo interpretações que emocionam pelo seu contraste entre força e fragilidade. Chegaram-nos por estes dias notícias de que deixou o público de Barcelona a seus pés numa versão arrebatadora de “Lost” de Frank Ocean, mal podemos esperar pela mesma sorte por cá, já daqui por uns dias no Primavera Sound no Porto.

Dois discos, 21 anos, roubando um verso a Samuel Úria, Lorde parece só saber crescer. A sua carreira pode até ter tido o início fulgurante de um cometa, mas o seu brilho está longe de se extinguir e o seu nome encontra-se definitivamente traçado no espaço estelar da pop. Não deixa no entanto de ter uma órbita contrária às outras estrelas que por lá habitam. Embora a sua música seja acessível, por vezes até orelhuda, pelo meio sentem-se as guinadas arriscadas de quem quebrar algumas leis. A sua imagem foge também aos padrões sexualizados a que a pop nos habituou: existe mesmo uma estranheza na sua figura que se torna mais evidente em palco. Lorde é como uma anti-heroína da pop, aquela que joga com as regras do lado oposto, mas que secretamente queremos ver triunfar sobre todos os outros aborrecidos e previsíveis heróis.

 


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