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Publicado a: 10/03/2018

Lisboa Dance Festival 2018: Danças com lobos

Publicado a: 10/03/2018

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTOS] Lúcia Domingues (Rastronaut, DJ Glue), Rafael Martins (Octave One, Romare)

São 2h15m. No Hub Room, localizado no espaço Grillas, Miguel Torga dá o tudo por tudo perante uma plateia bem composta, moldura esta que só começou a definir os seus verdadeiros contornos perto das 23h (até então, as clareiras eram evidentes um pouco por todo o recinto). Apesar de já ter atingido o limite temporal da sua actuação (pelo horário, os Octave One já deviam estar em palco), o DJ natural de Portalegre não parece querer arredar pé e nem o público presente se quer ver livre dele. As celebrações fazem-se sentir a cada passagem, os braços sobem ao ar a cada quebra rítmica, o movimento corporal é constante ao longo do set. Torga não é nenhum novato e sabe perfeitamente que armas usar para colocar uma pista em ebulição, ou não fosse a sua vivência dentro do estilo e a sua passagem por nobres casas como o Lux Frágil e o Indústria, citando apenas alguns exemplos, motivo mais que suficiente para garantir o selo de qualidade.

A batida é seca mas também sabe procurar elementos melodiosos, os pratos de choque aparecem e desaparecem como um irrequieto farol a varrer a superfície de um mar sombrio. A mistura chega-nos equilibrada como se o deck de Miguel Torga se tratasse, na verdade, de uma balança de dois pratos calibrada a partir da mesa de mistura. O remate do set acontece por volta das 2h30m, com o DJ português a ser ovacionado pela plateia e pelos próprios Octave One que, por esta hora, já marcavam presença na bancada montada à esquerda de cena.

 


octave one


A luz branca toma conta da sala e assinala um novo ciclo (é também nesta altura que algumas das caras mais medonhas da plateia se fazem notar). Lenny e Lawrence Burden assumem as suas posições à retaguarda dos seus kits, apetrechados com todo um leque de extras capaz de fazer inveja ao painel do carro da famosa série produzida por Glen A. Larson em meados dos anos oitenta, precisamente na altura em que os irmãos Burden se preparavam para dar as primeiras passadas na música — de recordar que o primeiro single, “I Believe”, data de 1989 – ou seja, estamos perante um clássico de alta cilindrada e potência a condizer. Prova disso são os possantes bombos que rompem no final da introdução feita em oscilador, atingindo o nosso peito com notável intensidade. A tarola acompanha com vigor e segue-se de definidos choques em contratempo. O público vibra, consciente que a viagem começara e não perde a oportunidade de prestar a devida aclamação aos anfitriões. O aroma a canabinóides intensifica-se, provando que, apesar do avançar da hora, há sempre alguém com uma reserva extra de energia e suplementos vitamínicos. E estes não precisaram certamente de passar pelo controlo “gato por lebre?” (um laboratório onde se podem efectuar testes de pureza às drogas que possamos ter connosco) colocado à disposição pelo CHECK!ING numa das salas do recinto. Há cheiros que não enganam.

Lenny e Lawrence exploram ritmo e melodia (com as vozes a serem uma das principais bengalas) enquanto pulam em palco como se tivessem um mini trampolim aos pés. Nesse preciso instante, a plateia é invadida por uma uma alcateia pronta a roubar a atenção do restante público. Antes que o leitor pense que o redactor ingeriu algum tipo de substância ilícita, permita-se um esclarecimento: esta não era a primeira vez na noite que a pista de dança servia de chamariz para estes seres com corpo de homem e cabeça de canídeo (tratam-se, na verdade, de umas vistosas máscaras espelhadas e em forma de origami, possivelmente entregues por um dos patrocinadores do Lisboa Dance Festival). Porém, a chegada repentina destes mamíferos a meio do set dos Octave One causou um efeito curioso, quase como se a música tivesse viajado através das paredes do Hub Creativo do Beato ao ponto de ir à montanha tirar tais animais do seu conforto natural. E como se estes se tivessem apressado em vir espiar a razão de tamanha e tão boa pressão acústica. Fábulas à parte, interessa dizer que os Octave One não deixaram pedra sobre pedra. Os lobos dançantes que o testemunhem.

 


romare


O mesmo não pode ser dito sobre a actuação de Archie Fairhurst, mais conhecido como Romare. O produtor londrino foi a prova que muitas vezes a intenção apenas não chega. Há que ser-se eficaz na execução. Não queremos com isto menosprezar as capacidades do artista em si, muito pelo contrário. A parafernália de equipamento com que se fez acompanhar e a facilidade com que se deslocou de máquina em máquina, de braços abertos, como quem tenta libertar-se da cruz em que foi pregado, evidencia a sua destreza na manipulação. A ideia de live band (um percussionista e um elemento que se dividia entre baixo e saxofone) também foi boa, pois permitiu uma dinâmica que as máquinas muito dificilmente conseguem atingir. Todavia, foi na soma de todos estes vectores que a coisa não funcionou. Excesso de grave nas passagens, com uma frequência estática desconfortável a fazer tremer em demasia as paredes do espaço Kia Room, na Fábrica de Pão, local escolhido para a performance do britânico; pouca definição nas restantes componentes, incluindo os sintetizadores e o instrumento de metal; e, por fim, pouca explosão nas passagens entre músicas, como se a mistura estivesse presa numa espécie de garrote dinâmico. Em suma, um bolo confuso e pouco definido que vai muito além das meras condições acústicas do espaço.

 


glue 1


Bem melhor esteve Glue, horas antes das actuações de NAO, Romare e Xinobi. O DJ português, ex-Da Weasel, deu o tiro de partida no Kia Room, perante uma plateia ainda pouco definida, recorrendo a um set que explorou várias paisagens estilísticas. Do drum & bass ao r&b de Aaliyah (“Try Again”), do trap de Lil Uzy Vert (“For Real”) a uma remistura de “Bam Bam” de Sister Nancy, da Mashup entre Kanye West e Holly Hood ao clássico “Hypnotize” de B.I.G., tudo funcionou em função de uma plateia que não poupou na hora de aplaudir as escolhas do homem das noites C.R.E.A.M.. No campo da recepção entusiástica, Shaka Lion e Rastronaut não tiveram a mesma sorte. O final de tarde/início de noite no Hub Creativo do Beato foi muito pouco concorrido a nível de público, o que causou uma certa mácula na prestação dos dois DJs portugueses. O desempenho, esse, esteve sempre assegurado. Rastronaut com o seu toque tropical (foi possível ouvir uma interessante remistura para “Show Me Love” de Robin S); Shaka Lion com sonoridades que visitaram o hip hop (com espaço para o clássico “Y’all A’int Ready” do saudoso J Dilla).

Hoje há mais. Venham de lá esses lobos famintos de dança.

 


RASTRONAUT6

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