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Publicado a: 11/03/2018

Lisboa Dance Festival 2018: Abençoado pêndulo

Publicado a: 11/03/2018

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTOS] Rafael Martins (Paraguaii, Prins Thomas), Lúcia Domingues (Nosaj Thing)

Hipnose

  1. estado próximo do sono provocado por manobras de sugestão

Talvez esta definição resuma da melhor forma o que aconteceu no concerto de Nosaj Thing, na Fábrica do Pão. Mas já lá vamos. Comecemos pelo início.

À imagem do que aconteceu na noite anterior, as primeiras horas do segundo dia do Lisboa Dance Festival são pouco concorridas em termos de audiência (ainda assim, o metro quadrado parece estar ligeiramente mais concorrido, talvez no seguimento do ciclo de conferências e masterclasses que começou por volta das 16h30m). No palco Carlsberg Room, situado na Fábrica das Massas, os Paraguaii misturam rock e electrónica com acentuada primazia, quase como se estes estilos vivessem separados por uma finíssima folha de papel vegetal. As guitarras abraçam os sintetizadores e, antes de explodirem em conjunto com a bateria, dançam harmoniosamente por entre os pilares que sustentam esta unidade fabril. Os Paraguaii vivem da dinâmica, da diferença de potencial entre o mais inofensivo sussurro e o mais intenso e agressivo grito. E é no preciso momento em que a massa sonora atinge o seu expoente máximo que as quatro paredes de betão colocam em evidência as suas próprias fragilidades acústicas. A óbvia ausência de tratamento faz com que as guitarras embarquem num exercício de pingue-pongue no interior do edifício, roubando o equilíbrio e definição que se quer num concertos destes.

 


paraguaii


Não obstante, os Paraguaii serviram um espectáculo intenso e bastante comunicativo. A dada altura do alinhamento, chegam inclusive a lançar um desafio ao público. “Quem adivinhar o nome da próxima música ganha um disco! É só dirigirem-se ao segurança que está ali do lado esquerdo e darem o vosso palpite…”. Por mais que o versos da canção não tenham sido conclusivos, o refrão (“and I miss you, like the deserts miss the rain”) não deixou margem para dúvidas a duas raparigas que marcavam lugar perto do palco: tratava-se de uma versão de “And I Miss You” de Sade. Uma coisa é certa: não foram para casa de mãos a abanar.

E se em determinadas situações as baterias e guitarras dos Paraguaii soaram algo perdidas, os bombos e tarolas sequenciados de Prins Thomas manifestaram-se relativamente bem controlados. A sala é outra (neste momento, encontramos-nos no HUB Room, em pleno espaço Grillas), mas a conclusão é mais do que óbvia e poderá servir de bússola para ocasiões futuras: em locais de acústica pobre, vingam mais facilmente as sonoridades maquinadas. Se optarmos por instrumentação real (chamemos-lhe assim), o cuidado tem quer ser elevado ao quadrado, principalmente a nível de backline e mistura.

 


prins thomas


Oriundo da Noruega, Prins Thomas é um DJ que tem no seu ADN importantes moléculas de techno minimal e electrónica espacial, características estas que concedem aos seus sets uma sublinhada intensidade. Não é por isso de estranhar que por volta das 20h45m o nível de pressão sonora no espaço Grillas já seja o mesmo de um final de noite numa discoteca dedicada ao género. Afinal de contas, a música electrónica não tem hora marcada e pode ser consumida em qualquer altura do dia, nas quantidades que cada um melhor entender. Na plateia, corpos dançam como se fossem árvores a serem sacudidas pelo compasso quaternário de Thomas. Os ambientes espaciais suplantam as guitarras funk utilizadas e os graves soam mais circulares que as próprias arcadas que sustentam o espaço. A escassos metros deste Hub Criativo há um conhecido convento, o do Beato, no entanto, a purga aqui consegue ser mais eficaz do que trezentos anos de clausura religiosa. Tal garantia é-nos dada por um conjuntos de monges de vestes casuais que vibra a cada pregão electrónico oriundo do altar do DJ norueguês. Nestas condições, vale mesmo a pena ser-se crente.

É chegada a hora de descrever a actuação de Nosaj Thing, artista californiano que já trabalhou com artistas como Kendrick Lamar e Chance The Rapper, entre outros. Desenganem-se aqueles que pensam que o produtor se apresentou com um espectáculo todo xpto, repleto de luzes irrequietas e uma mão cheia de acrobatas resgatados do Cirque du Soleil. Nada disso. Na verdade, Nosaj Thing usou os recursos mínimos para a sua apresentação ao vivo, ao ponto de nem sequer ter luzes no palco apontadas para si, ou seja — e agora trocando por miúdos –, tocou completamente às escuras. Não lhe conseguimos identificar um único movimento ou expressão facial. Por cima de si, um strob serve de metrónomo às batidas por minuto servidas, acendendo e apagando num invejável exercício síncrono. Umas vezes lento, principalmente nas paisagens introspectivas e nas transições entre músicas; outras vezes rápido, quando, por exemplo, os pratos de choque se desprendem do ritmo base em subdivisões de uma matriz contígua ao trap. À sua direita, um laser rasga a sala de uma extremidade à outra, criando um quadro minimal, pautado por umas míseras mudanças na cor e forma. No campo visual, não houve rigorosamente mais nada. A ideia de Nosaj Thing parece ter sido mesmo essa: minimizar o que os olhos vêem para apurar a audição.

 


nosaj thing 1


No sentido figurado, é como se o produtor de ascendência coreana nos tivesse passado com um pêndulo uma série de vezes à frente dos olhos, até estes descansarem e deixarem a mente partir para uma viagem sensorial. Os ambientes criados não estão ali por acaso. Há efeitos sonoros a servirem de cama a sintetizadores e melodias de vozes. Numa camada inferior, há frequências sub-grave a sustentarem toda a massa sonora como se de uma organizada bacia de sedimentação se tratasse. E estes graves em muito se afastam daqueles articulados por Romare na noite anterior. São redondos, recortados, dignos de uma memorável odisseia através do espectro de frequência que encontra nos choques o seu ponto mais elevado. A dinâmica deste carrossel é propositadamente pouco acentuada, não há grandes explosões rítmicas, o que mantém o ouvinte num limbo entre a calma e a agitação. Nas entrelinhas da história contada por Nosaj Thing, vão surgindo alusões a alguns temas mais conhecidos, como serve de exemplo “All Points Back To U”, prontamente reconhecida pelo público que, por esta hora, já se deixou completamente embrenhar no exercício hipnótico. De tão eficaz que é, nem damos pelo avançar dos ponteiros do relógio.

Numa situação normal, bastaria um estalar de dedos para trazer esta plateia à normalidade. Todavia, Nosaj Thing prefere usar Frank Ocean para tal efeito. O tema escolhido para soar alto no PA é “Pink + White”. Está na hora de acordar.

 


nosaj 2

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