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Publicado a: 13/10/2016

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king geedorah reviw

 

[TEXTO] Rui Miguel Abreu

Lançado originalmente em 2003, Take Me To Your Leader merece agora reedição em vinil vermelho como Marte, com popup inserts para geekness adicional. Faz sentido: nos 13 anos entretanto volvidos, o culto que rodeia DOOM só cresceu exponencialmente. O mais recluso, mascarado e viciado em alter-egos (Metal Fingered Villain, Viktor Vaughn, Super Villain, King Dumile) de todos os rappers que habitam os subterrâneos é uma figura fascinante precisamente por ser tão singular. E esta criação como King Geedorah só ganhou frescura na década e meia que entretanto acumulou.

 


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Depois da reinvenção (reencarnação?…) de Zev Love X dos KMD (cujo clássico Bl_ck B_st_rds mereceu igualmente reedição recente, também com adornos extra) em MF Doom, o visionário produtor/MC da máscara de ferro, o eixo de rotação do planeta foi alterado. Desde o clássico Operation Doomsday (que, e já que ressalvámos outros casos, também teima em não abandonar os escaparates, tendo igualmente sido alvo de múltiplas represensagens, a mais recente das quais já deste ano e igualmente em vinil vermelho…) que Doom nos surpreende a cada novo passo, insuflando neste mundo mais um pouco da mesma loucura genial que também alimenta Kool Keith.

Este álbum assinado por King Geedorah (todos os beats são de Doom, mas apenas dois temas contam com a sua abstracta capacidade de rimar) acaba por ser apenas a ponta do iceberg da sua incessante produção artística em 2003. E é um álbum brilhante: a visão do nosso planeta através do olho mutante de um alien sentimental que gosta de soul, filmes de série B e dramáticas texturas orquestrais. Doom, fechado algures numa cave com o stock de uma velha loja de aluguer de cassetes VHS, oferece-nos loops da quinta dimensão, não teme processos e sampla “Message From a Black Man” dos Whatnauts e mais material de Coke Escovedo, Jacques Morelembaum, Hall & Oates ou Roy Budd num labirinto psicadélico de beats soluçantes, permanentemente perturbados por snippets de filmes esquecidos de monstros disformes de borracha que têm a mania inexplicável de emergir de lagos permanentemente rodeados de névoa. Doom faz tudo isso e, sobretudo, conduz o seu exército de MCs com a frenética capacidade de um maestro em delírio absoluto.

Claro que a simples possibilidade de pisar o mesmo estúdio com o Rei Dumile levou todos estes MCs a puxarem o seu A game para bem perto do microfone, adoptando ao mesmo tempo a mesma veia absurdista e dispensando cadernos de rimas mais previsíveis. Bom exemplo é o incrível “Anti Matter”, um dos dois temas tocados pelas rimas de Doom, em que o herói mascarado surge ao lado de um quase desconhecido Mr. Fantastik que responde às multies Dada de Doom – “Excuse me mister do she got a sister / Who he not to kiss her true she do got a blister /Not a movie plot twists like a twizzler /If I needed my meat burned I’d go to Sizzler” – com barras carregadas de filosofia de rua – “I get the cash take niggas out like trash / Known to stack a mean stash they used to call me pure math / Back in the days all I did was stay paid / But as they say in the South bitch gimme some head”.

A verdade é que já não se fazem muitos discos assim: beats luminosos, com camas de cordas que envolvem os corpos de palavras de forma lasciva, baterias que soam reais e que ainda carregam o pó que se acumulou nos vinis de onde foram resgatadas, vozes que surgem das profundezas catódicas da memória da late night tv de que já ninguém se lembra nesta era netflixizada (“And King Gedorah is completely controlled by our computer through magnetic waves”) e MCs que estão ali apenas para honrar os beats e não para mandarem mensagens para serem amplificadas no YouTube. Rap pelo rap, hip hop em estado bruto, sem refinamento de espécie alguma.

Não se envergonhem mais e façam-se o enorme favor de acrescentar um exemplar à vossa colecção caso tenham conseguido sobreviver década e meia sem uma cópia do original por perto. O universo raramente dá segundas oportunidades embora neste universo seja o vilão da máscara metálica que dita as regras e tudo seja possível.

 


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