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Publicado a: 11/10/2017

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[TEXTO] Diogo Santos 

Aos 34 anos, Kelela deixa a porta do quarto entreaberta. Pela brecha, é possível observar roupas, de cama e não só, amarrotadas; flores junto a um espelho; uma caixa de comprimidos, talvez para as dores de cabeça; um bloco de notas cheio de riscos e rabiscos; um telemóvel a pulsar com notificações; duas caixas de lenços já vazias; uma vela a arder; e algodão desmaquilhante, manchado de vermelho, preto e violeta. Take Me Apart, a estreia da norte-americana no formato longa duração, é um romance maduro, sexy e viciante.

“Frontline” é uma abertura absolutamente perfeita, daquelas que define o tom e apresenta o que está para se seguir nas restantes 13 canções… Kelela não está aqui com tretas “Cry and talk about it baby but it ain’t no use / I ain’t gonna sit here with your blues”, entra no carro e vai à vida dela. O trabalho vocal de Kelela é praticamente irrepreensível e a produção – ao longo da quase uma hora de álbum – é do melhor que a pop tem para oferecer. Sobretudo com auscultadores, Take Me Apart apresenta-se com imensos detalhes para descobrir, seja após a terceira ou a vigésima audições. O disco não apaga nem Cut 4 Me (a mixtape de 2013) nem Hallucinogen (EP de 2015). Mas dá passos de gigante, daqueles capazes de inspirar outras e outros – a ver vamos. E muito dignos de uma das mais inovadoras do r&b dos tempos que correm.

 



A terceira faixa é das mais reveladoras e não será por acaso que dá nome ao álbum. Nesta “Take Me Apart”, Kelela quer que o amante seja capaz de a desmanchar, física e emocionalmente. Intimidade da mais honesta que há. Isto para depois, em “Enough”, apresentar um hino ao luto da relação “Can’t you see, love, that I’m standing by myself? / Boy, you and I, we miss each other now / I’m so tired but I can’t ignore”. Então e o drama da reconciliação? Esse é descrito lindamente em “Better”, um dos mais belos e pacíficos exercícios vocais do álbum. Exactamente a meio, o single LMK – as mulheres também têm sexo sem significado, carago! Amar. Desejar. Ser amada. Ser desejada. Estar enamorada – ela explora esta e outras temáticas numa bela entrevista à Pitchfork.

Por esta altura, talvez seja oportuno colocar bolinha vermelha no canto superior direito do dispositivo onde possam estar a escutar Take Me Apart. A segunda metade do registo arranca logo com “Truth or dare” e o sempre engraçado jogo do quem avança primeiro. E “S.O.S.” é sexo, ou o ardente desejo de o praticar. Em “Blue Light”, a voz de Kelela vai a todo o lado, com e sem efeitos. Não menos importante, nesta fase ela já está preparada para avançar para outra relação. “Onanon”, outra canção maravilhosamente escrita e interpretada, leva-nos ritmicamente para uma cave ou para os escritórios da Hyperdub…

Antes de fecharmos a porta do quarto e deixarmo-nos deste exercício de invasão de privacidade, “Turn to Dust” é um passeio pela fina linha que separa o “não tarda vou à minha vida” do “caraças, que não aguento ficar só”. A conclusão de Take Me Apart é feita à boleia da belíssima “Altadena”, uma canção maior que pode, deve e tem de ecoar. Não se acanhem e cantem no chuveiro, no carro, no elevador, no escritório ou na cama: “Nothing to be said or done / It’s not just me, it’s everyone / Let me remind you, let me remind you / Nothing to be said or done / There’s place for everyone / Let me remind you“. Companheiros de viagem, não sejam tontos. Este é o quarto da Kelela e nós temos o privilégio de entrar nele…

 


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