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Publicado a: 13/05/2018

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[TEXTO] Vasco Completo

Saiu no dia 4 de Maio o muito aguardado álbum de Jon Hopkins. Assumidamente um produtor de “dois álbuns por década”, o inglês trouxe-nos Singularity com uma hora de duração, dividida por nove faixas. Muito tempo de música para digerir, mas também muita informação (dada pelo próprio música em entrevistas) para nos guiar nesse processo.

Este é o seu álbum menos directo desde Insides. E talvez seja pela maior variedade entre músicas… Há uma sensação paradoxal de coesão conceptual e dispersão estética. O produtor, mesmo tendo estado cinco anos “parado”, continua a demonstrar possuir a vitalidade necessária para se reinventar e, sem palavras, consegue carregar uma componente conceptual nos seus discos. A temática nunca é óbvia se nos basearmos apenas nos timbres e sons que da música surgem. Hopkins relembra-nos que a música não é só o que ouvimos, mas também o que a mesma nos quer dizer pelo conteúdo extra-musical (parte visual e textual), pelas explicações do próprio criador, que tem exposto sem mistérios ou segredos o que quer trazer com Singularity, ou os métodos com que a mesma música é criada.

 



Hopkins anuncia este disco como um projecto já concebido mentalmente 15 anos antes, nomeando a falta de técnica e conhecimentos que teria na altura como razão para guardar num cofre este trabalho. Declara a intenção de coexistência de diferentes géneros e ambientes dentro dum registo que deveria ser consumido, ou pelo menos concebido, como se de um filme se tratasse. Numa época de consumo instantâneo, na era dos singles, ainda é interessante pensar onde entram ideias como estas “longas-metragens” de conceito mais desenvolvido.

Tecnicamente, Hopkins continua a surpreender-nos no modo como chega aos seus sons: o baixo da primeira faixa é um trovão gravado, por exemplo, trazendo a ideia de “field recording” para dentro do seu já ultra-complexo processo criativo. Immunity, aclamado antecessor de 2013, justificou a sua posição nos vários tops elaborados pela crítica especializada pela vida que continha; a qualidade de produção evidente apresentava-se, em grande parte, pela característica tão orgânica do som. Nos sons “reais” aglutinados com a síntese sonora, Hopkins demonstra normalmente um processo de trabalho do som muito complexo e demorado. No entanto, admite-se menos cerebral, menos tecnicista e acredita ser instintivo na sua composição. Talvez seja esse equilíbrio de valências um dos factores diferenciadores do produtor. Entre a complexidade sonora e os seus conhecimentos e sensibilidade harmónica, o artista pode trazer-nos conjuntos de faixas mais variados, e bastante imersivos, tanto emocional como psicologicamente. Já no antecessor foi exímio a fazê-lo. Aqui encontramos claras diferenças entre “Neon Pattern Drum” e “Echo Dissolve”, por exemplo.

Esse também é o objectivo de Singularity. A viagem entre diferentes texturas, andamentos e – vá – estados de espírito é o que torna a escuta integral deste álbum numa experiência elevadora.

 



Aí expressa-se também, a liberdade artística que Jonathan pretende. Não é em todos os discos que temos uma faixa de techno de 10 minutos e meio a anteceder o ambiente criado por um piano e coro.

A estética de Singularity nota-se claramente influenciada pela prática de DJ sets de Hopkins nestes últimos anos, visto ser um álbum muito mais carregado de faixas ritmadas, com um peso mais acentuado nos graves (e no retirar deles para criação de tensão) e kicks muito trabalhados – principalmente no primeiro lado do disco.

Há uma motivação de criar uma experiência sonora com vida, orgânica, onde os limites da mente são testados, tanto pelos ambientes criados como pelo próprio trabalho de design sonoro, plano em que tem momentos que tornam a largura do plano sonoro mais pequena (ao nível do campo estereofónico), para depois voltar a alargá-la, no sentido de criar tensão e retorno a uma maior sensação de espaço (leia-se a entrevista à Resident Advisor, onde aborda algumas das técnicas de produção).

Isso liga-se muito à intenção de expressar, ou até replicar, estados de mente alterados – por meditação ou ingestão de psicadélicos, deixamos ao vosso critério – que são uma parte importante deste registo. Se “Luminous Beings” é a clara ascensão a um estado de transcendência, “Recovery” é o óbvio retorno à realidade… traduzindo, é a óbvia música de ressaca.

A beleza está na harmonia em Hopkins; seja esta literalmente a harmonia musical, ou o equilíbrio que cria entre todas as dicotomias que a sua música expressa. A cidade nocturna de “Everything Connected” contrastará sempre com o contacto com a natureza de faixas como “Echo Dissolve”. O caos controlado da techno ou a intimidade e serenidade das marteladas suaves ao piano. O ébrio e o sóbrio.

Há em Singularity uma abordagem nova do produtor que torna este disco em algo que merece uma atenção redobrada, algo de que Insides não precisava. É que este disco está inteiramente ligado, no sentido que o desenvolvimento composicional dá-se por fragmentos sonoros que germinam sempre num novo organismo. Anteriormente a composição de Hopkins, ou o desenvolvimento das músicas, dar-se-ia por um mote que criava progressivamente mais tensão, até ao libertar da mesma. Esta técnica dava-se pela adição de timbres como na confecção dum bolo: uma camada de cada vez, criando maior dinâmica e intensidade (ou trazendo mais sabores e quantidade, se quisermos manter a comparação culinária).

É aqui que este álbum é tão singular… o seguimento é lógico e os sons comunicam internamente, gerem-se numa metamorfose contínua — Debussy teria alguma coisa a dizer sobre isto… Singularity move-se dentro de si mesmo, e é uma viagem a descobrir com o tempo.

 


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