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Publicado a: 19/05/2017

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[TEXTO] Nuno Afonso [FOTO] Direitos Reservados

I like sampling, but by moving away from it I can challenge myself.

A intenção anunciada numa entrevista à revista online FACT, há já cerca de dois anos, desde logo revelava a genética inconformada de quem não quer, nem sabe, assentar numa lógica de criação minimamente fechada. Tal como a arte ancestral do oriente de dobrar papel em múltiplas representações, Black Origami é um exercício de criatividade e renovação em aberto apresentando-se como um segundo – e sempre desafiante – álbum de uma das mais prolíferas criadoras dos nossos tempos. É certo que Jlin pode ter arrancado como força vital de um circuito footwork sempre electrizante, porém há muito que plana sobre um submundo em constante construção onde as definições se desvanecem para dar lugar a um léxico ongoing. Desafio é pois uma palavra-chave que se assume como mantra pessoal.

Embora longe de um papel de arquitecta sonora, com toda a multidimensionalidade e academismo associados, a verdade é que essa breve noção encontra-se presente por aqui. Pela construção rítmica evidentemente, mas igualmente pela aglutinação de elementos afro-americanos variados, cruzando passado e futuro numa linha estrutural em expansão. Não será descabido evocar aqui os ensinamentos contemporâneos de autores como Stravinski ou Bártok pela partilha de visão, neste caso aplicada a uma natureza digital. O design complexo das suas composições e como cada uma interage solidifica um objecto musical devidamente pensado, capaz de surpreender e projectar com corpo e mente.

Entre o anterior Dark Energy e este Black Origami, reconhece-se um aprofundamento de ideias, coincidindo com a surpreendente inclusão de uma mão cheia de gente ilustre. O lendário William Basinki, a alquimista Holly Herndon ou a rapper Dope Saint Jude trazem um marcante contributo embora talvez o mais notável seja a colaboração, já familiar, com Avril Stormy Unger, dançarina indiana. Brota uma cumplicidade indiscutível entre ambas, visível aliás nos vídeos de Jlin e com repercussões nos ecos deste disco. O vigor percurssivo mantém-se intocável, revelando o poder e as possibilidade da polirritmia. Por outro lado, é legítimo encontrar por lá algum revivalismo jungle (de resto, uma inclinação que parece dominar este 2017) ainda que demasiado encoberto de músculo e seiva da botânica urbana que Jlin em se especializou.

A gestão dos climas de tensão é exemplar e traz inevitavelmente à memória a produção actual de Durban ou até alguma proximidade à nacional Príncipe Discos. O efeito de desorientação não é inocente, afirmando-se eficaz, intensa, beatífica até. Existe alguma busca de intervenção sócio-política no que faz; ainda que sem o frisar vocalmente, o intuito palpita nas entrelinhas dos seus títulos e na claustrofobia que escorre em cada faixa. Jlin não será uma artista de clubbing no sentido de entreter corpos e atiçar faíscas celebratórias. É sim uma pensadora dos nossos tempos cuja expressão pessoal do que a rodeia toma face a partir de um som mutante e tribal como só poderia ser.

Black Origami descarta, por defeito, teorizações de maior em seu redor. Faz valer-se por um conteúdo confrontacional, directo, mas nunca panfletário. Arma de arremesso ou fantasia negra, fala por si enquanto ponto catalizador para algo mais. Dela não poderemos esperar outra coisa, afinal. Puro explosivo.

 


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