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Publicado a: 09/11/2016

J-K: “Para mim, a cena do rap é um bocado o combate, seja contra mim mesmo ou contra o resto.”

Publicado a: 09/11/2016

[TEXTO E FOTOS] Amorim Abiassi Ferreira 

 

J-K é Jorge Kimbamba Simões, tem 30 anos e é copywriter e rapper. Um dos empregos paga as contas, o outro sossega a alma. Escreve em ambos, o que, apesar de tudo, está dentro do topo das perspectivas que um artista pode alimentar em Portugal. Lançou em Outubro, o Contos de Espadas, disponível aqui, e acompanhou-o de um livro ilustrado por um conjunto invejável de ilustradores.

Muita da propulsão rapper no panorama musical deve-se ao facto de nunca andar sozinho. A sua equipa é o colectivo Monster Jinx, formado em 2008, e a crew é prova viva de que em equipa se chega sempre mais longe: “Basicamente, o Darksunn e o Stray vieram falar comigo na net. No Myspace, ainda. Já seguia os gajos, mandaram-me uma mensagem a dizer que estavam a fazer uma netlabel.” Oito anos depois, J-K continua a fazer malabarismo entre o trabalho e a música, explora temáticas e sonoridades e lida com todos os dilemas que a idade inevitavelmente traz ao de cima.

Esta é a parte em que declaro que estou a escrever mais uma peça sobre um amigo. Poupo já tempo a quem procura isenção jornalística, que provavelmente nunca habitará os meus textos. A entrevista aconteceu numa esplanada, enquanto comíamos um hambúrguer, e foi interrompida por um carro que bateu numa árvore numa manobra de estacionamento. Quem diria que Campo de Ourique, bairro de residência de J-K, tinha tanta emoção para oferecer?

 


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[CONTOS DE ESPADAS]

A identidade é um dos aspectos cruciais e mais difíceis de definir num artista. Esta pode manter-se próxima da verdadeira pessoa ou então assumir características fictícias ou até caricaturais. Raramente estanque, até porque isso seria muito pouco humano, a persona vai amadurecendo, mudando e, com o tempo, há certas coisas que nunca vão realmente embora. Para J-K, este símbolo revelou ser a espada, mencionada pela primeira vez ainda na era do Myspace : Fiz uma música chamada ‘Espada Gigante’. E a música falava um bocado sobre isso: teres uma espada para lutares contra os problemas da sociedade e usares o poder da tua imaginação para estar alienado do mundo. Para mim a cena do rap é um bocado o combate, seja contra mim mesmo ou contra o resto.”

O tempo trouxe ao artista crescimento aliado a progressão estilística e temática. E foi após terminar o primeiro álbum que a espada passou de um elemento solto mencionado em faixas, para o primeiro plano, tornando-se o mote do novo projecto.“Tive uma fase em que depois do Sorriso Parvo parei de fazer música. Quando voltei a escrever com regularidade, a vontade que eu tinha era fazer uma coisa mais neste género. As primeiras coisas que fiz eram mais obscuras. Aliás, eu sempre tive vontade de fazer música dentro deste género. Estava a precisar de dar uns murros no saco.”

Pediu a produtores como Roger Plexico, NOFUTURE, Gobi Bear, Spark e OSEB alguns dos seus beats mais sujos e obscuros para pintar os cenários do novo álbum. As temáticas na escrita também se ajustaram à nova visão e o projecto, criado ao longo dos últimos dois anos, pretende ser uma obra concisa que descarrega toda a agressividade sem deixar nada por dizer. “Chego ao fim dos álbuns e não quero fazer isto outra vez. Foi isso que aconteceu no Sorriso Parvo e não quero fazer este álbum outra vez. É bom sinal, é sinal que quando acabo os trabalhos, estes estão fechados.”

Fruto do modelo de lançamentos gratuitos da Monster Jinx e da aposta da label em edições físicas diferentes, foi criado um livro que pretende ser uma versão impressa do Contos de Espadas. Para criá-lo, Jorge encontrou maneira de reunir um conjunto de forças do mundo da ilustração portuguesa: Lord Mantraste, Kruella d’Enfer, Esgar acelerado, Sofia Ayuso, Lobijovem, Lara Luís, Bruno Albuquerque, Laro Lagosta e Min. O livro é um objecto que eu gosto, aliás, eu ainda hoje em dia tenho mais livros que discos. Não sou o Marcelo Rebelo de Sousa que lê não sei quantos livros por dias. Queria ter um objecto desses meu também pelo facto de nunca de ter tido as letras em lado nenhum. Porque quando não tens as letras é um bocado uma defesa. As pessoas podem perceber tudo ou podem não perceber e ficas sempre num espaço cinzento e sentes-te protegido. Aqui queria dizer: ‘É isto mesmo que está escrito e agora podes escolher se gostas ou não, porque sabes exactamente as palavras que estou a dizer.’”

 


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[TRABALHO E MÚSICA]

Para manter uma carreira na música é, na maioria dos casos, necessário aliar um emprego para permitir manter a renda em dia e o pão na mesa. Encontrar o equilíbrio entre estes dois nem sempre é fácil e, para o concerto de lançamento do disco no Monster Jinx Fest, no Maus Hábitos, até a viagem no carro, de Lisboa ao Porto, serviu para terminar uns trabalhos e esgueirar uma espécie de ensaio antes de chegar ao palco. “Basicamente estava sem tempo nenhum, a nível de trabalho também tive de trabalhar imenso em casa, ensaiei duas vezes em casa, estava mega cansado.”

Estando a par das condições adversas da semana, quando subi ao Porto para ver o primeiro concerto, tinha algumas reservas quanto às minhas expectativas de como iria correr. Após os primeiros momentos, percebi que nada ali ia falhar. Eléctrico, confiante e finalmente a ter oportunidade de dar corpo ao manifesto, J-K foi recebido por amigos e muitos outros fãs num concerto dado com Darksunn como DJ e onde todos outros outros MCs da Jinx (Stray e Pulso) acabaram em palco para cantar as músicas de crew que tanto os caracterizam. “Até fiquei com vontade de fazer mais concertos, porque sinto que aquela merda ao vivo tem pernas para andar. Por isso, se eu conseguir ensaiar mais do que ensaiei desta vez, aquilo ainda pode ficar melhor.”

O Porto tinha de ser a cidade de apresentação do álbum. Foi aí que J-K passou um ano a trabalhar e onde consolidou grande parte do seu amadurecimento no panorama musical. “Foi um ano fixe para a Jinx. Já havia o estúdio mas depois havia ali um ponto de encontro, o pessoal já não estava só no estúdio, ia jantar a minha casa. Foi quando apareceu o “Venera o Diabo”, o “Tinto Cão”, foi quando acabei de gravar o Sorriso Parvo. Foi um vortex muita estranho com tudo a acontecer. O Porto marcou muito a minha formação de hip hop em Portugal.”

 


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[ENVELHECER]

O hip hop é conhecido como um daqueles estilos musicais onde os talentos são sempre muito novos, observando com desconfiança o envelhecer e a forma como ele pode amolecer as pessoas. Hoje em dia estamos rodeados de excepções à regra e o novo álbum pelos De La Soul ou o próximo disco de A Tribe Called Quest mostram que há sempre mais para dar.Ainda tenho esse estigma do ‘hip hop não é para velhos’. Não me vejo com muito mais idade a continuar a fazer rap. Mas também se me perguntasses há cinco ou dez anos, eu dizia que aos 30 provavelmente já não estaria a fazer rap. Já começa a haver um estilo de rap de pessoal mais velho, que não deixa de ser rap e continua a ser hip hop e continua a ter o estilo. A perspectiva é que é diferente. Pode ser só de um velho rezingão, mas é mais adulto de qualquer das formas.”

 Será o peso da idade que altera a escrita ou o amadurecimento? É provavelmente impossível separar um do outro, e se calhar J-K enfrenta de frente essa temática naquele que foi o primeiro single do álbum: “Despedida”. Um ode aos trinta anos e a tudo o que isso assume na nossa vida, da família ao amor e como a idade nos pode tornar em pessoas mais francas. “Tinha muito essa necessidade de fazer uma música assim, em que me exponho mais e em que também falo dos meus pais. Há uma série de coisas que queria dizer e não queria dizer com subterfúgios ou um grande instrumental a acompanhar. Não sei se as pessoas gostam disso ou não. Acho que isso faz parte do crescimento, estares mais à vontade contigo mesmo e com os teus problemas e conseguires falar deles sem ser através de uma história ou de fantasiar.”

 


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