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Publicado a: 11/02/2016

Interludes de DJ Player: “São pequenos recortes de coisas que aconteceram na minha vida”

Publicado a: 11/02/2016

[TEXTO] Bruno Martins [VÍDEO] Pedro Raimundo (filmagem) // Rafael Correia (edição) [FOTO] João Ferrão

Até há poucos meses, o nome de DJ Player podia passar perfeitamente despercebido aos ouvidos de muitos. Mas, na verdade, o produtor da Póvoa do Varzim percorre já um bom par de anos os circuitos do universo do hip hop. Então, como e porquê é que só nos aparece agora o seu primeiro álbum, Interludes, editado há poucas semanas com o selo da Phat Media? Nuno Loureiro, o verdadeiro nome de Player, fala de forma serena e sorriso tímido, mas confiante. Conta-nos da primeira mixtape que editou em 2009, Reprogramação, do trabalho de agenciamento do amigo Deau e da influência que o rapper teve na sua dedicação à produção.

DJ Player descreve Interludes como uma nota biográfica da sua vida. Mesmo que não seja literal, são episódios de memórias, recordações, sentimentos e desejos. Um disco que não pretende ser um álbum de beats, mas antes uma verdadeira peça narrativa em que somos conduzidos tanto pelas melodias clássicas dos 90’s ou trip hop como pelos “convidados” que aparecem pelos samples: a voz de Musetta ou diálogos cinematográficos de filmes antigos – como Breakfast At Tiffany’s.

Agora que o disco está na rua, vamos conhecê-lo melhor. E uma boa oportunidade de o fazer é na festa Dentro da Caixa com J Dilla de hoje à noite no Musicbox, em Lisboa, onde DJ Player vai apresentar Interludes e também ajudar a celebrar a vida e obra do mestre de Detroit, também ele uma influência maior na sua vida de produtor que começa agora a dar os passos mais largos, mas que, sente-se, são bastante seguros.

Interludes é o teu primeiro disco. Sabemos que em 2009 editaste a mixtape Reprogramação. Mas queremos conhecer-te um pouco melhor! Como aparece o DJ Player antes de aparecer este álbum?

Um bocado como toda a gente: a passar uns discos. A minha carreira começou mais ligada à parte de DJ a passar rap e hip hop em clubs e bares. Depois, em 2009, lancei essa mixtape, Reprogramação, de onde saiu um dos temas mais conhecidos, “Cara Metade”, com o Deau, e na altura, com o Supremo G – agora Jimmy P – e também convidados de vários pontos do País. Foi exactamente quando a mixtape saiu que percebi que queria mais. Qual é o trabalho de um DJ faz numa mixtape? Um bocado relações públicas… fala com os rappers, passa-lhes uns beats, escolhe, grava… Decidi virar-me para a produção e a desenvolver esse skill. Pelo meio, fui produzindo algumas faixas para artistas, como o caso do Deau no último disco dele, o Livro Aberto, apesar de já o conhecer há algum tempo, uma vez que fui agente e manager dele durante todo o RetiEssências.

Interludes foi um processo mais solitário, certamente. A solidão da produção levou-te para uma outra intimidade, para um núcleo de canções mais emocionais?

O álbum é biográfico. Os temas são interlúdios, pequenos episódios da minha vida. A ideia foi mesmo essa: não fazer um álbum de batidas. Podia facilmente fazer um disco assim, depois qualquer pessoa pegava e fazia rap por cima. Olha, como fez o Sam [The Kid]: quase todos os meus amigos gravaram por cima do Beats Vol.1. Mas eu queria ter temas estruturados com ambientes: queria que fossem músicas e não beats. Sabia também que não queria ter alguém a cantar: começava pelas melodias e assim que encontrava o feeling do tema, ia à procura de vozes que pudessem encaixar para fechar os temas. É um processo muito intimista, claro, mas também é assim que o queria, precisamente por ser um disco biográfico. Todas as faixas mostram algum episódio da minha vida. Pode não ser completamente literal, mas certamente que aponta para momentos de introspecção.



De quem são as vozes que ouvimos no disco?

Eu não queria ter alguém a cantar, mas acabei por ter, ainda que despropositadamente: o tema “Fade out” tem o featuring de Musetta, que começou por ser samplado. Mas depois abordei o artista e disseram-me que se quisesse classificar como featuring era na boa. “Play No More” também tem um a capella dela, mas como está em high pitch decidi não pôr como sendo featuring.

Mas há outras vozes: as dos diálogos de filmes antigos. Conta-nos como é que se processa a tua busca dos samples. Passas mais tempo em frente ao MPC, ao computador e aos teclados ou sentado a olhar para a televisão a ver cinema?

O processo nunca é o mesmo. As músicas podem começar com o beat ou com uma melodia ao piano em que sento-me à procura de ver o que as coisas me fazem sentir. E só depois disso é que vou à procura de mais recursos, como as bases de dados com guiões de filmes. Depois ia ver os filmes e, às vezes, até encontrava falas melhores, que me faziam mais sentido. Vi imensos filmes, que nunca tinha visto, e gosto muito desse pendor cinematográfico do disco: ouves as falas e quase que estás a ver aquilo a acontecer. É uma área de que gosto muito, até porque trabalho também com o lado visual, em bandas sonoras de publicidades, por exemplo.

É interessante que os interludes dos discos costumam ser pequenos trechos, pequenas pontes entre faixas. Aqui não sinto que seja o caso, porque são faixas com muito sumo, muito sentimento e com muito significado.

Mas se pensares: o que são os interlúdios num álbum de um artista? São pedaços instrumentais que ficaram de sessões e tudo mais. O que faço é pegar nesse conceito, mas com episódios de uma vida. São pequenos recortes de coisas que aconteceram na minha vida, nestes meus 27 anos. Acho que sim, que pode tornar estas canções em interlúdios.

Vamos recuar uns anos. Conta-nos de onde vem a tua ligação à música. Como é que tudo isto começou?

Cresci numa casa com muito vinil. O meu pai e a minha mãe coleccionavam muitos discos, mas de coisas dos anos 1960, tempos de Woodstock e bandas que por lá tocaram. Mas só o facto de ter aquilo ali, poder colocar uma agulha e pôr a tocar já era marcante.

Eles deixavam-te mexer nos discos?

Não! Tinha que ser às escondidas… então quando comecei a experimentar o scratch… (risos) Depois tinha – e tenho – um primo que trabalhava numa rádio e era DJ num bar. Começou a convidar-me para ir vê-lo a trabalhar e aprendi com ele a ver como tudo funcionava, a acertar batidas, a seleccionar, a fazer passagens. Ganhei o gosto àquilo. Naquela altura já consumia hip hop e foi o caminho que decidi seguir: comecei a comprar discos, a começar a tocar, a gravar sets

E a produção caseira?

Foi só mesmo depois da mixtape. Já tinha experimentado, mas não saía nada de jeito. E a mixtape não me satisfez como eu pensava que ia satisfazer e até estive algum tempo sem fazer nada na música, porque tirei o curso de Direito e até cheguei a trabalhar como advogado durante dois anos. Foi o Deau que me abordou me perguntou: “O que é que estás a fazer? Não podes deixar isto! É isto que tu queres!” Aquilo ficou-me na cabeça : comprei um teclado e as coisas começaram a sair e o pessoal começou a gostar dos beats. Foi aí que me dediquei à música a 100 por cento.

O Direito ficou para trás?

Sim, completamente. Ao fim de dois anos, percebi que estar fechado no escritório não era para mim, sem ter nada criativo à minha volta. Estava a deprimir-me imenso. Um dia, cheguei a casa e disse isso à minha mãe, que queria deixar de trabalhar como advogado. Ela ficou preocupada, claro, mas eu sabia que se me dedicasse, porque era o que queria mesmo fazer, que ia conseguir.


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“O que eu procuro é que as músicas toquem nas pessoas. As pessoas têm que dizer que faz sentir alguma coisa ou que faz lembrar algo” – DJ Player


Hoje à noite vais estar na festa de homenagem ao J Dilla. Ele também é uma referência para ti?

Sem dúvida. O Dilla tinha a cena que eu adorava que quebrava barreiras: escolhia sonoridades que ninguém estava à espera. Teve as suas várias fases de trabalho e até mesmo as convenções de produção e métrica destruiu-as por completo. Até a forma como manipulava os samples ou a ética de trabalho dele foram marcantes. É mesmo o exemplo daquilo que um produtor deve aspirar a ser. Obviamente que todos os produtores, quando começam, fazem beats iguais a outros já feitos: eu tive uma fase Dr Dre, outra Dilla, outra Neptunes… tive que passar por isso para perceber o que é preciso para construir um instrumental como deve de ser e fazer produção, que é muito diferente de fazer beats.

Como explicas essas diferenças?

A produção leva o artista para determinado caminho. É muito diferente de fazer beats em loop e mandar para o MC. Eu não gosto de fazer isso: se puder gosto de estar com o MC ao meu lado. Por exemplo, o “Andorinha” foi feito com o Deau ao meu lado: eu tinha uma base, ele escreveu o refrão em cima e, numa tarde, fizemos o som todo. Acho que assim as coisas fluem melhor. E mesmo que não possa estar com o MC, nunca mando um simples loop: vai um beat já construído com refrão, quebras, ponte… já leva um certo feeling.

Como é que funciona o teu set ao vivo?

Eu não faço formato DJ set. Faço em formato live act, com o Ableton Push. Para já sozinho, mas no futuro gostaria de incorporar mais elementos, como um baterista ou um baixista.

Tens planos para fazer mais produção para outros MCs?

Sim, neste momento estou a trabalhar com o TNT, da Mano a Mano. Também estou a trabalhar no novo projecto de Tekilla e Sacik Brow… é um lado de que gosto. Quando posso, sempre a produzir ao lado do MC, porque as coisas saem-me muito facilmente!

Em Interludes percorres vários estilos e géneros, sonoridades- do hip hop mais clássico, ao mais electrónico passando por alguns toques de trip hop. No entanto, sente-se um pendor e uma ligação maior às sonoridades mais clássicas. Talvez pelas influências dos discos dos teus pais e dos filmes antigos. Achas que esse espírito clássico dá um outro corpo de intimidade às canções, um outro calorzinho?

Acima de tudo dá alma às músicas e é isso que eu procuro: que as músicas toquem nas pessoas. As pessoas têm que dizer que faz sentir alguma coisa ou que faz lembrar algo. Esse lado clássico de que falas… talvez tenha bebido de referências antigas que influenciaram o hip hop – sou fã de Quincy Jones, de Herbie Hancock, Stevie Wonder… há uma frase que se diz muito: “Já não se faz música como antigamente”. E se calhar é verdade. É fácil fazer beats hoje em dia. Há quem faça beats com o rato de um portátil. Eu não consigo e não entendo: parece que o método produtivo não tem alma. Eu produzo com teclado e estou ali à procura de uma melodia. Mesmo os drums têm que ser tocados! Fui beber tudo isso a essas influências e trouxe também um bocado de nostalgia. O corpo, para lá da alma.


DJ Player passou por Lisboa e o Rimas e Batidas foi encontrá-lo na Carpets & Snares, loja de discos no Chiado focada nos terrenos da electrónica onde um dj se pode sentir como peixe na água. Rui Miguel Abreu conversou com DJ Player, Pedro Raimundo filmou a conversa e Rafael Correia tratou de editar o vídeo que vos apresentamos mais abaixo. Mais um ângulo para conhecer melhor o homem que acaba de editar Interludes e que mais logo sobe ao palco do Musicbox para estar também DENTRO DA CAIXA COM J DILLA.

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