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Publicado a: 17/12/2015

Ice Cube: O gangster do hip hop

Publicado a: 17/12/2015

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados

 

Há uma cena em Straight Outta Compton em que Ice Cube experimenta uma carreira paralela como decorador de interiores e com a ajuda de um taco de beisebol reorganiza o feng shui do escritório da Priority, a editora que distribuía a Ruthless e que o rapper acreditava dever-lhe dinheiro. Uma quantia avultada de dinheiro. “Essa cena estava no guião original”, contou o rapper à Rolling Stone. “E depois quando recebemos uma nova versão tinha desaparecido. Tive que enviar uma carta a pedir para ser reintegrada, porque me parecia decisiva”.

De facto, Cube pode ter conseguido uma segunda vida como actor de comédias leves de Hollywood, mas a imagem que construiu no hip hop foi sempre a de um gangster com sobrolho permanentemente franzido, pronto a atirar-se ao mundo inteiro se por acaso o mundo o incomodasse de alguma maneira.

O episódio relatado dá bem conta da personalidade de Ice Cube, um control freak que embarcou na produção da biopic dos N.W.A. também para garantir que a história seria contada à sua maneira. Quando o filme começou a ser pensado, foi o livro de memórias de Jerry Heller, Ruthless, que serviu de ponto de partida para o argumento: “Se quiserem fazer um filme a sério façam-no connosco, se quiserem fazer uma porcaria façam-no com Jerry Heller”, explicou o rapper/actor à Rolling Stone. A decisão de deixar a história bem contada – pelo menos de acordo com a sua perspectiva – foi ao ponto de Cube ter indicado o seu próprio filho, O’Shea Jackson Jr., para o seu papel (missão executada na perfeição pelo jovem actor, diga-se) e de usar o Skype para checar diariamente o andamento das filmagens mesmo quando se encontrava envolvido noutra produção.

 


 

 


Na vida de Ice Cube, portanto, nada parece acontecer por acidente, mas ainda assim há coisas que espantam o próprio artista, como ele confessou igualmente à Rolling Stone: “Em tempos escrevi uma canção chamada “Boyz-n-the-Hood” que acabou por ser a semente que levou ao disco Straight Outta Compton. Por causa disso alguém me descobriu e me meteu num filme chamado Boyz n the Hood. E por causa desse filme eventualmente acabei por ganhar suficiente experiência na indústria cinematográfica para poder fazer este filme Straight Outta Compton. E agora o meu filho está no filme e depois pode ver-se uma pequena versão dele no background do filme. Isso faz a nossa cabeça andar à roda”.

Haverá poucas sequências discográficas tão intensas como a que Ice Cube entregou ao mundo no arranque dos anos 90 com o quarteto de álbuns AmeriKKKa’s Most Wanted (1990), Death Certificate (1991), The Predator (1992) e Lethal Injection (1993): discos que confirmaram Cube como um dos melhores MCs da época, um repórter de duras realidades das ruas da América, capaz de soar comovente também, como aconteceu no extraordinário “It Was a Good Day”. Paralelamente, Cube foi um dos primeiros rappers a descobrir um talento paralelo para o cinema, com filmes como o já citado Boyz n the Hood ou Trespass a projectarem uma carreira que realmente explodiu em 1995 com o êxito da comédia Friday, realizada pelo mesmo F. Gary Gray que agora assinou Straight Outta Compton. Rapper de sobrolho franzido a fazer música para os homies nos discos, actor de comédias desbragadas a fazer rir as famílias no grande ecrã.

O’ Shea Jackson, de seu verdadeiro nome, 46 anos, nascido e criado em South Central e dono de uma já longa carreira que se estende até ao presente, tanto no cinema como na música: Cube é um dos veteranos que dá a Compton: A Soundtrack, o disco que Dr. Dre garante ser a sua despedida, algum peso histórico.

 

 

*Texto originalmente publicado na edição 112 da revista Blitz.

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