pub

Publicado a: 20/01/2017

Griselda Records: Das ruas de Atlanta para o mundo

Publicado a: 20/01/2017

[TEXTO] Nuno Afonso [FOTO] Direitos Reservados

Entrar no universo da Griselda é um convite a um viveiro mágico. Tida como uma das labels do momento no sempre fértil campeonato do rap independente norte-americano, as pistas sonoras presentes na web asseguram uma classe inquestionável. Está lá tudo: a lírica das ruas, vivida e cuspida sem pruridos, as atmosferas turvas pela madrugada dentro e uma lufada old school que só cai bem. Traz justamente à memória muita da produção histórica da East Coast via KRS-One, Talib Kweli ou Ghostface Killah. Nos dias de hoje, entre os escapes do trap e outras tendências crossover, arrisca-se a soar algo anacrónico para alguns; mas, em abono da verdade, boa parte da sedução da Griselda passa por aí mesmo. E nem se preocupa por disfarçá-lo pois a entrega é mais real e forte do que qualquer questão menor de estética.

 


“It wasn’t really no hope. Now people really seeing, like, ‘damn, we got some shit from our city that’s making it’”


A citação chega a propósito do mini-documentário em redor do colectivo, provavelmente o ponto de partida ideal para tudo o resto. Westside Gunn e Conway protagonizam os papéis principais no dia-a-dia da Griselda e, a pouco e pouco, conquistaram a curiosidade e o respeito numa cena musical que anseia por isso mesmo. Longe dos holofotes mediáticos, ambos são os membros mais activos, disparando edições em formatos pouco formais como CD ou MP3. No entanto, num mundo conectado 24/24 à realidade virtual, paradoxalmente espaços como o SoundCloud ou Youtube assumem-se como meios perfeitos para a sua difusão (que de outro modo seria difícil ou até impossível). Para alguém, que como eles, possuem um historial ainda curto, poder-se-à admirar os feitos até agora alcançados. Afinal de contas, não é usual obter honradas bênçãos de gente importante como Roc Marciano, Danny Brown ou Action Bronson – que já deixaram as suas impressões pessoais no espólio da Griselda. E encontram-se mais no horizonte.

 



Mach Hommy é o terceiro vértice deste triângulo familiar – e o mais enigmático de todos. Optando por uma certa distância de redes sociais, tentar obter vestígios sobre a sua biografia é uma autêntica tarefa olímpica. Talvez seja mesmo através das suas letras o melhor meio de penetrar a mente de Hommy. Para tal, nada melhor que H.B.O.: Haitian Body Odor. Ríspido mas envolvente, carrega na voz uma tranquilidade por vezes perturbante. Há traços em torno de temas tão díspares como criminalidade e metafísica como princípios de um jogo real que é a vida. Sente-se um blues urbano no modo genuíno com que cruza e entrelaça estórias, e acima de tudo uma veia de narrador exímio. É a partir de beats orquestrados pelo supracitado Marciano, Knxwledge e Camouflage Monk onde os discursos se desenrolam e ganham plenitude. Perante a participação de produtores tão nobres, entende-se de imediato que a mensagem da crew Griselda (GxFR) anda por aí – e fazer-se rodear dos melhores.

 


[Novos velhos clássicos]

Na primavera passada, num momento em que o seu trabalho começava então a tomar maior dimensão, sai um magnífico disco em jeito de cartão de visita. Don’t Get Scared Now é o título de um EP que reúne seis faixas, totalmente construídas a partir de samples e trechos de produções a cargo da restante família da GxFR. Ressaltam os instrumentais soulful de Daringer, outra parcela honorária da editora (e de quem se poderá esperar mais num futuro próximo). Se não bastasse, conta igualmente com um par de convidados orelhudos como The Alchemist e Prodigy, dos lendários Mobb Deep. Uma vez mais, a recuperação de heróis da velha guarda. Felizmente o fluxo de lançamentos não tende em abrandar embora exija de nossa parte, ouvintes e seguidores, uma busca e atenção permanentes.

 



Em todo o caso, existem já álbuns cujo valor se aproximam do epíteto de clássico instantâneo. FLYGOD é um exemplo flagrante disso mesmo. Editado pela londrina Daupe (outra pequena label e merecedora do maior respeito), a diversidade de sons e a riqueza dos pormenores faz deste disco cinemático um segredo bem escondido no rap actual. Com Roses Are Red…So Is Blood, o MC chama The Purist para o acompanhar num registo amargo e confrontador. Concebido num período de encarceramento numa prisão nova-iorquina, o próprio título manifesta, sem pudores, as cicatrizes deixadas por esquemas e jogos de poder, droga e armas. Cicatrizes essas que dão relevo e expressão a este mini álbum de sete balas sonoras, cada uma delas fortíssima e precisa.

Se 2016 tratou de elevar o status da Griselda do anonimato à posição de culto, este ano corrente certamente tratará de recolher alguns dos frutos. Dada a actividade dos seus membros, é de esperar novos rumos e outras descobertas desta base. Para eventuais coleccionadores, é também o momento ideal para recolher as poucas edições físicas dos seus escassos lançamentos. De resto, este é o início de uma grandiosa história…

 


pub

Últimos da categoria: Ensaios

RBTV

Últimos artigos