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Publicado a: 05/06/2015

FKA Twigs: a alegoria física de Tahliah Debrett

Publicado a: 05/06/2015

[FOTOS] Ricardo Miguel Vieira

 

Os ponteiros do relógio cruzam-se pelas nove horas, ainda não é breu, embora um manto acinzentado se lance sobre os céus do Parque da Cidade do Porto, à boleia de uma brisa que arrepia, alterando logo as cores do cenário à beira-Douro. Caminho sob a colina relvada que abre um campo de visão grande angular sob o recinto quando uma guitarrada se dissipa nos gigantes speakers do palco NOS do Primavera Sound. Mac DeMarco está lá ao longe, pequeno, a despedir-se dos milhares de espectadores que o acolheram na capital nortenha e, logo de seguida, vejo gente, muita gente, a rumar para oeste, em direcção ao palco Super Bock. Contam-se pelos dedos das mãos os minutos para o primeiro vislumbre da onírica FKA Twigs em solo português.


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Acelero o passo rumo à dianteira do palco, slalom entre corpos, peregrinação autêntica para ver a britânica de 27 anos que dá pelo nome de Tahliah Debrett Barnett. Não meço expectativas, não tropeço em conversas perceptíveis em meu redor, baseio essa avaliação, mais tarde, no que li horas algures na internet: será FKA Twigs artista de festival ou de sala de imersão sensorial? Neste momento isso pouco me importa, ela vem até nós com um admirável mundo novo, estamos prestes a embarcar numa viagem de destino incógnito e isso, só por si, já valerá toda a experiência. Flasham luzes alaranjadas, já estou diante do palco, objectiva em riste, e Twigs diante de mim, de nós todos, rosto brilhante, de boneca de porcelana, versão light da artwork de LP1, o impressionante longo de estreia da rapariga de Gloucestershire, sudoeste do Reino Unido.


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As primeiras três tracks (as que podemos registar em imagens) passam por mim sem que dê a devida atenção. Porque Twigs arrebata os sentidos com a sua desenvoltura sensual, coreógrafa sincronizada com as letras não menos eróticas desta electrónica imposta nos pads, de sintetizadores distorcidos e experimentados sem obediência temporal, segundo espasmos criativos do momento. E, claro, a voz, aquela hipnotizadora voz que ressoa em palco aberto com o mesmo magnetismo que reconhecemos das produções em estúdio. Damn! Tantos elementos numa semi-colmeia de palco que projecta strobbing lights sincopados e que nos sequestra para outras dimensões.


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As regras impõem que regresse para o seio da multidão. Vou de encontro à maré de pessoas até encontrar um pedaço de relva onde me deter. Nessa batalha observo rostos fixados no palco ou nos projectores ou simplesmente de olhos cerrados, a absorver intimamente toda aquela trip imersiva. “Desculpa, quem são estes que estão a tocar?”, pergunta-me um homem na casa dos 40, visivelmente desconcertado com o que se passa. “É uma artista: F-K-A Twigs”, grito por entre as brechas low-pitched do som. Há nesta pergunta um genuíno interesse de direccionamento numa espécie de realidade paralela com que talvez nunca se tenha confrontado.


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Há um momento da performance em que a voz angélica de Twigs é sobreposta por uma reverberação de baixa frequência que agiganta um certo cenário dantesco, desconfortável até. Soa a possessão, a físico. Isto é tudo muito físico, até pelos moves que esboça. E divago: há muito de angélico nesta personagem, mas encontro ali pequenas derivações de luciféricas, provocações estéticas e sensoriais que fintam as emoções e estados de espírito. E talvez seja esta personificação alegórica que impressione quem ainda não a conhece.


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O fim do espectáculo acerca-se à chegada de “Two Weeks“. Trocam-se mimos entre público-artistas. Olho para trás de mim e só vejo pessoas colina a acima. Estão aqui milhares, FKA Twigs conquistou o primeiro dia do Primavera Sound. Era um espectáculo de imersão ou festival? Depende do mood, mas serão certamente apresentações dissemelhantes. Esta não pecou em nada, surpreendeu e correspondeu. Os pads reverberam uma última vez. A voz apaga-se e a malta segue novamente para a dianteira do palco principal. Seguem-se Interpol. E eu sigo para outras paragens. Regresso à realidade dentro de instantes.


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