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Publicado a: 04/05/2017

Existence Without Form: a jornada do “eu” de Kruella D’Enfer

Publicado a: 04/05/2017

[TEXTO] Alexandra Oliveira Matos [FOTOS] Hélder White

À entrada, uma rapariga de máscara prateada suscita nuns a curiosidade, noutros o receio. A palavra-passe é obrigatória, sob pena de sermos encarados por aquele rosto metálico e não entrarmos no Art Room, no Pátio do Tijolo, Príncipe Real.

“Infinito”: é esta a pass de que Kruella D’Enfer nos aconselha a não esquecer se quisermos ver Existence Without Form. As escadas são íngremes. A música de Alberto Vieira, amigo da artista, preenche o espaço em madeira. Reparei primeiro nas bandeiras em tecido que fazem logo lembrar os estandartes da época medieval (ou os de Game of Thrones, se quiserem). Dirigi-me primeiro aos textos, escritos por João Almeida Santos.

 


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Dez. Como dez capítulos de uma história que me pareceu desde logo de suspense e aventura. Enquanto lia, tocava sempre a música que umas vezes me fez bater o pé, outras vezes acelerar a leitura e, em intervalos de silêncio, ouvir as palavras e ver os lugares descritos dentro da minha cabeça. Em conversa com Kruella, para ler mais a baixo, confirmámos que ali se conta uma viagem à própria existência, ao “Eu”, às emoções e às crenças de cada um. A cada capítulo corresponde uma bandeira e a sua respectiva pintura.

As pinturas nas bandeiras de cetim suspensas no tecto estão dispostas em círculo. O número de cada capítulo está marcado a branco no chão de madeira. Tudo remete para a roda de um culto. E é ali que ganha forma física a história que li nas paredes antes de entrar na roda, onde alguns visitantes entravam com medo e respeito. Do primeiro texto, intitulado “Spiritual Journey” ao último, “Space is the place”, a jornada numa floresta cheia de emboscadas, criaturas e sentidos está tão bem contada e pintada. Retive esta frase, no quinto capítulo, “se podes criar, és Deus e tudo em nós é divino. Mas não te esqueças: quem tem o poder de criar também destrói”.

O artwork de Kruella D’Enfer é inesquecível, e também imagem de marca: as cores fortes, as formas geométricas, as figuras místicas. Foi pelo trabalho que desenvolve há mais de sete anos e que passou pelas latas e pelos muros, que fomos visitar a exposição e entrevistar a artista.

A exposição continua para ver no Art Room, no Príncipe Real, em Lisboa, até domingo, dia 7 de Maio. A entrada é gratuita.

 


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É uma exposição a solo, mas que tem textos de João Almeida Santos e banda sonora de Alberto Vieira. Como surgiu a ideia?

Eu já tinha tido esta ideia de fazer as bandeiras. A parte visual já estava construída, mas ainda não tinha um sítio ideal para a concretizar e quando vim aqui à galeria (Art Room) senti que era o sítio ideal para fazer este projecto. E ainda não tinha pensado em chamar estes meus dois amigos, tinha só a ideia de fazer as bandeiras e de ser uma exposição só visual. Mas mais tarde, em conversa com estes meus dois amigos, percebi que enriquecia muito mais se os convidasse e se eles pudessem dar o seu contributo nas diversas áreas. O João nos textos e o Alberto na música.

Então e porquê as bandeiras? A história já estava então pensada?

A história não estava pensada, era só mais a ideia de fazer peças diferentes do que estás habituado a ver em galerias. Ou em tela, ou em serigrafia, em papel. Quis fugir um bocadinho do registo habitual das exposições.

O que é que destacas desta exposição?

A experiência. Porque são três peças que foram pensadas em conjunto e que fazem um todo da exposição. Foge do que se está habituado numa exposição que é chegar, ver as peças, normalmente não tem música ou há um DJ a pôr música random. E isto tudo é pensado! Os textos são pensados para as peças, a música é pensada para as peças. Isto está tudo ligado.

O que é que te deu mais gozo de fazer na exposição?

Acho que foi mesmo ver a construção das bandeiras em si. Foi a minha mãe que costurou as bandeiras e vê-las finalizadas foi o melhor.

 


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Houve alguma peça mais complicada de fazer?

É complicado pintar em tecido. Há ali certos erros que são naturais porque não é uma folha, o tecido influencia muito o traço e qualquer erro pequenino que desse, notava-se logo no tecido que é muito frágil. É cetim. Foi o desafio, pintar em tecido.

O título da exposição é Existence Without Form, mas na verdade os três, em conjunto, dão uma forma à existência. Como é que resumes esta história que é aqui contada?

Eu acho que esta ideia foi criada pelos três porque eu tinha muitas dúvidas e havia o risco disto parecer um bocado vago, ao início. Queria retratar as emoções. Queria fugir do que é habitual e puxar assuntos que me interessam desde o início o oculto, o misticismo, e começar por aí. E nós os três sentámo-nos e falámos bastante durante um mês e tal a perceber qual era o caminho que poderíamos seguir. Então, o resultado foi criarmos um caminho sempre a pensar no que é que és fora do teu corpo, sem pensar na forma física, aquilo em que acreditas, as energias que transmites e te transmitem. Foi um bocadinho em torno disso.

É quase a história da pessoa que está a criar?

Exactamente. Da personalidade, das crenças, das religiões. É um bocadinho de tudo. Eu tenho várias referências, seja na música também. Fui buscar referências à música, a religiões, a filosofias e tudo isto construiu um caminho.

Na música, quais são essas referências?

A maior referência foi Sun Ra. Além de venerar a música dele, ele tem toda uma forma de construir a música e de se apresentar com que me identifico. O misticismo, as cenas cósmicas, sempre adorei isso nele, então é uma das maiores referências a nível da música para esta exposição.

Apesar de esta exposição ser diferente do que conhecemos do teu trabalho, não perdeste a forma e a cor que trazes sempre.

Não. Eu acho que esta exposição até está mais minha, porque eu tenho um percurso já há sete anos e com o tempo tentamos sempre encontrar o nosso estilo. Eu acho que fui modelando isso e construindo uma identidade mais forte neste último ano. Aqui é o reflexo desta identidade que quero começar a explorar, sem perder o uso das cores que me acompanham desde sempre, mas com uma linguagem mais forte.

 


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Esta exposição é então o culminar de um amadurecimento do teu percurso até agora.

Julgo que sim. Aqui dei mesmo muito de mim, foram dois meses dedicados. Acho que nunca me tinha empenhado tanto num projecto, também tive pessoas ao meu lado que me obrigaram a isso e houve razões pessoais que me obrigaram a isso. É sem dúvida a exposição mais forte que já fiz até hoje.

As Caldas da Rainha e todo o movimento jovem ligado à cidade, como o Caldas Late Night, por exemplo, fazem muito parte de ti ainda?

Fazem porque as Caldas sempre foi um sítio onde se tinha total liberdade para se fazer aquilo que se quisesse. E eu tenho a sorte de poder estar a trabalhar numa área e de ter agarrado oportunidades que me permitiram fazer um bocadinho de tudo aquilo que eu queria. Por exemplo, neste projecto tive total liberdade para criar e isso lembra-me um bocadinho o espírito das Caldas, em que entrava numa casa no Caldas Late Night e havia ali uma instalação sem regras, completamente livre. Foi um bocadinho do que fiz na Existence Without Form, mas aqui tive muito mais tempo para pensar, já não é o mesmo registo.

 


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Li numa entrevista que deste em que dizias que gostas de criar sem pensar muito na mensagem. Esta foi diferente.

Esta foi totalmente a pensar na mensagem. Foi mesmo um desafio fazer isso e custou, para os três, porque ter que criar a pensar na mensagem limita-te muito mais e tens de pensar melhor nas coisas. Mas eu acho que ganhei muito mais força assim.

Mensagem é hip hop, no fundo. Continuas a considerar-te do mundo do hip hop?

Claro, isso nunca vai mudar. Isso vai fazer parte de mim para sempre. Apesar de eu sentir que cada vez mais tenho um leque variado de gostos musicais, o hip hop está sempre lá e vai fazer parte sempre da minha vida.

O que é que vem depois desta exposição?

Vamos continuar a criar e a superar cada vez mais.

 


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