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Publicado a: 17/08/2017

Eva RapDiva: “Foi a experiência do hip hop tuga que me permitiu ser a rapper que sou hoje”

Publicado a: 17/08/2017

[ENTREVISTA] Alexandra Oliveira Matos [VÍDEO] Luís Almeida

Foi entre livros, aqueles que, também, tão bem guardam expressões de lusofonia, que fomos encontrar Eva RapDiva. Na Ler Devagar, na LX Factory, não podíamos deixar de falar sobre a bagagem que em 2009 levou consigo para Angola. Afinal de contas, foi por cá, com nomes como Sam The Kid e Sir Scratch, que aprendeu o bê-á-bá do rap em vários momentos de freestyle.

Mas se a rapper regou a sua semente da música com “a água do hip hop tuga”, uma coisa também garantiu: “estou expert em arrombar portas ou em entrar por janelas”. Eva lançou Eva, o seu segundo trabalho discográfico, em Março deste ano. Em 12 faixas, a chamada “Rainha Ginga do rap” vai desde as dicas aguçadas de crítica social, da faixa “Um assobio meu”, a outros géneros de temperatura diferente, como é o caso de “Final feliz”. Com ambas arrecadou vários prémios em Julho deste ano, nos Angola Hip Hop Awards. Desde Melhor Estrofe do Ano e Melhor Single do Ano a Melhor Rapper Feminina do Ano, provas de que a carreira da artista está a correr muito bem no país das suas raízes. No entanto, no horizonte, poderão estar outros reinos por explorar e… um trabalho das Feias, Porcas e Más?

 


O que é que significa este álbum para a tua carreira?

Quando eu comecei a cantar, quando eu comecei a rimar só fazia freestyle e não queria fazer álbuns. Não sonhava ter um álbum, confesso. Depois, quando eu decidi começar a fazer músicas, eu nunca pensei também na questão de fazer um álbum porque achava que era algo muito difícil e eu tenho tanta coisa que quero fazer e não vale a pena focar-me nesse objectivo porque vai ser quase impossível. Para além disso eu costumo ser uma pessoa que diz “se o João conseguiu porque é que a Maria também não consegue? Se a Maria porque é que a Eva não consegue?”, mas no que toca a isso era aquele medo mais profundo que eu tinha. Fazer um álbum a sério? Eu que sou tão crítica, que sou uma ouvinte de rap tão critica? E quando digo críticas não são negativas, mas também positivas. Sou uma pessoa que gosta das coisas bem feitas, com algum sentido, sou muito dura a avaliar-me. Não queria olhar para esse objectivo de ter um álbum como uma coisa muito séria e andava a fugir e a arranjar desculpas de que isso não era importante para mim. Então, fazer este álbum foi enfrentar um medo que eu tinha, foi enfrentar, se calhar, um dos maiores desafios que a minha carreira podia ter porque eu sou uma rapper de freestyle, essa é a minha base, e quem conhece rappers de freestyle sabe que fazer depois música, álbuns, de uma maneira organizada acaba por não ser muito fácil.

Como é que está a ser a recepção deste trabalho?

Está a ser óptima. Estamos numa altura em que fazer vendas no mercado angolano, onde o álbum está a ser vendido neste momento, não é fácil porque a economia não está muito boa e muitos artistas têm feito vendas públicas que não têm corrido muito bem, infelizmente. Mas as minhas vendas estão a correr super bem, o público está a receber muito bem. Deste álbum já existem várias músicas que estão a tocar. Tenho girado o país todo, estou a fazer uma tournée com vendas e sessões de autógrafos. Está a correr muito bem, muita gente ficou surpreendida, talvez porque achavam que eu não conseguia fazer um álbum tão bom como aquilo que eles acham que está. A recepção está a ser boa, a crítica está a ser boa e eu estou feliz com isso.

Tens músicas que vão do rap mais de intervenção a músicas como a “Final Feliz” com o Landrick que tem uma sonoridade mais próxima do kizomba. As pessoas gostam mais de uma ou de outra? O que é que tens sentido?

É difícil de dizer o que é que as pessoas mais gostam. Por exemplo, quando tenho uma sonoridade como “Um assobio meu” que é um boom bap old school, um tema de intervenção, acabo por chamar muito a atenção das pessoas porque elas se identificam com a música e porque já há algum tempo que no nosso mercado não temos uma música daquele género, feita daquela forma. Isso puxa muito pelo público de forma positiva. Por outro lado, tens um “Final Feliz” que acaba por ser completamente o oposto, numa sonoridade mais de kizomba em que canto rap, que muita gente gosta. Aquelas pessoas que não são tão ligadas ao rap já conseguem mastigar melhor o “Final Feliz”. Eu sou o 8 e o 80 porque eu identifico-me com isso. Eu gosto muito de kizomba porque sou angolana, cresci numa casa angolana com semba, com kizomba e com outros estilos musicais tradicionais de África. E gosto do rap porque é o estilo musical que eu canto desde criança e porque é o estilo com o qual mais me identifico. Então é normal para mim que eu vá buscar isso tudo, que eu vá buscar fado, porque a minha avó Eva ouve fado durante horas e horas em casa, ou que vá buscar do semba ou do samba ou do rock ou de qualquer outra sonoridade onde me sinta à vontade e que queira explorar. Então, de que é que as pessoas mais gostam? É complicado porque tanto uma música como outra têm tido uma grande recepção do público. A nível internacionalm o “Final Feliz” foi uma música que foi muito mais longe, mas a nível nacional o “Um assobio meu” é a música do respeito do público e o “Final Feliz” é aquela música que é mais tocada pelos DJs.

Ser rapper e mulher em Angola, como é que isso corre?

Não é fácil, não é nada fácil. O mercado angolano é um mercado duro e é um mercado onde não podes ser mole. Tens de ser uma pessoa focada, tens de ser uma pessoa com objectivos, tens de ser uma pessoa dura também. Sendo mulher é muito mais complicado, tanto em Angola, como em Portugal, como nos Estados Unidos. No rap, nós sabemos quais são as barreiras muitas das vezes impostas às mulheres e impostas pelas próprias mulheres a si próprias para conseguir crescer no rap. Tem sido difícil, mas cada vez se torna mais fácil à medida que vou ultrapassando alguns degraus. Acho que é tudo uma questão de força interior de cada um de nós para fazer com que todos os obstáculos que nos aparecem à frente se tornem pequenos perante a nossa força de vontade.

 



E a nível político? “Um assobio meu” é uma música que toca na ferida de Angola, da fase que agora atravessa. Como é que tens sido recebida a esse nível?

“Um assobio meu” é uma música de intervenção social, mas algumas pessoas tentam levar a música para o campo da política, o que nunca foi a minha intenção. Quando eu quiser fazer uma música que fale de política eu tenho muita coisa para falar sobre política e tenho uma opinião e uma posição sobre isso, mas não era esse o objectivo do “Um assobio meu”. A verdade é que quando tocas na questão social vais acabar por tocar na questão política. Pode não ser essa a minha intenção, mas se eu estou a falar que os hospitais não têm seringas eu estou a criticar se calhar quem gere a saúde do país e se calhar não gere bem, ou a economia do país ou o orçamento de estado e deixa que cheguemos a essa situação. Se calhar é uma situação política ou, melhor, é uma situação política, mas eu estou a fazer uma observação social e eu estou a falar das zungueiras, eu estou a falar do bairro que fede, da criança que bebe, da rapariga que dorme por dinheiro, dos homens, como eu digo, que vão buscar a solução para os seus problemas na birra, birra é cerveja. Tudo são questões sociais, mas acabam por ser questões políticas porque se elas existem significa que não existem políticas boas o suficiente para solucionar essas problemáticas e muitas das vezes quem está no poder político não gosta de ser criticado, não gosta de que se aponte o dedo. Algumas pessoas que fazem parte do poder político em Angola, em Portugal, no Brasil, na Rússia ou nos Estados Unidos não percebem que os políticos são pessoas que trabalham para o povo, para os contribuintes, para as pessoas que vivem naquele país. E quando esses políticos estão a trabalhar mal têm que ir para o olho da rua ou têm de ser criticados ou têm de se esforçar por melhorar. Um político acaba por ser um empregado do povo, digamos assim. Então, algumas pessoas não vêem isso. Vêem o político como uma pessoa poderosa, uma pessoa intocável que manda em tudo, manda em todos, ninguém lhe pode apontar o dedo e quando eu faço uma música como “Um assobio meu” em que faço uma descrição de algumas problemáticas sociais de Angola é normal que algumas pessoas fiquem incomodadas porque não sabem de facto qual é o papel do político, qual é o papel do artista, qual é o papel da música, qual é o papel da arte e por não saberem isso é que se calhar ficam incomodadas e fazem determinado tipo de coisas.

Fecham-se portas?

Fecham-se portas, às vezes fecham-se portas. Felizmente eu tive uma educação e tenho uma forma de ser e de estar na vida que… Nunca ninguém me abriu portas ou, melhor, algumas portas foram-me abertas, mas se calhar foram mais as portas que encontrei fechadas do que encontrei abertas, na vida. Então, eu estou expert em arrombar portas ou em entrar por janelas. Isso de fechar portas não é algo que me aflija muito, existem outras coisas que me afligem muito mais do que isso.

Queres falar um pouco sobre o videoclip da música “Beleza não é tudo”…

A minha ideia com este vídeo era de uma forma diferente explicar o conceito da música. O vídeo começa com bonecas. A boneca é a típica mulher que a sociedade tenta embonecar, que tem que estar dentro daquele padrão e é uma coisa em que se mexeres muito parte, é sensível, é doce, é bonitinha. É a bonequinha da mamã, do marido, dos filhos, dos irmãos. Então eu pus as tais bonecas e ao longo do vídeo vê-se que estou a falar com elas numa sala de aula, depois estou no laboratório com elas onde faço uma poção mágica, entre aspas, e antes de chegar à poção vê-se que misturo vários ingredientes como a inteligência, a auto-estima, a atitude, a determinação, a independência. Um monte de ingredientes que acho que são aqueles que a mulher dos dias de hoje, a mulher independente, a mulher empoderada deve ter, podia ter posto outros mais. E depois de misturar aqueles ingredientes todos eu dou aquela poção às tais bonecas e elas tornam-se mulheres comuns, como nós. Uma aparece como médica, outra mecânica, outra polícia, outra motard. A ideia que quero passar é a de que é essa poção que quero dar com a música às mulheres, que elas saiam do formato típico, do padrão da bonequinha, e se tornem mulheres fortes, mulheres empoderadas, mulheres independentes, mulheres com uma profissão, com um objectivo na vida.

Sentes que como artista tens essa responsabilidade?

Eu tenho essa necessidade. Mais do que ser uma responsabilidade minha, eu sou mulher. É como seres do Benfica e estás a gritar num jogo pelo Sporting. Não tem como! Eu como mulher tenho que gritar ou apelar ou defender ou promover coisas que beneficiem o meu lado de mulher. Isto é assumido. É normal que eu queira fazer com que outras mulheres sejam mais fortes, é normal que eu queira dizer “olha, beleza não é tudo, batalha para ter o que é teu”. É normal que eu queira dizer isso. Podes ser muito bonita, mas tens de trabalhar e dar no duro para ter o que é teu porque a beleza é uma coisa que, inclusive, não é eterna, demora dois, três dias. Tudo o que vem do nosso suor acho que é mais saboroso e mais digno, na minha opinião, do que aquilo que vem de uma forma mais superficial. Também não condeno, mas na realidade em que vivo e na educação que tive eu vejo as coisas assim e passo isso para a minha música. Eu tenho que dizer a uma mulher “tu és linda, tu és uma estrela, tu tens valor, tu podes realizar os teus sonhos, tu consegues, tu és capaz”. Eu ao fazer isso não é uma questão de ser uma responsabilidade minha, é quase natural porque sou mulher e tenho de passar isso a outras mulheres como eu. Não o faço com aquela mentalidade de que tenho uma responsabilidade e estou a carregar aqui este fardo e tenho de o levar a bom porto. Não, é algo natural.

E em Portugal, qual tem sido o feedback dos teus pares? Começaste a rimar aqui com alguns nomes que estão em Portugal, qual é que tem sido a reacção deles?

Eu não tenho trabalhado muito na promoção do meu trabalho em Portugal, infelizmente, porque, felizmente, as coisas estão a correr bem em Angola, a agenda não me dá muito espaço de manobra para estar a explorar o mercado português. Mas eu prometo que me vou esforçar para o fazer o futuro. A verdade é que o feedback é muito bom das pessoas que têm acesso à minha música. Eu estou a fazer questão de que, por exemplo, este meu novo álbum esteja todo disponível no meu SoundCloud, quem quiser vai lá e ouve. Não pus à venda em nenhuma plataforma digital mesmo para que as pessoas que estão fora do mercado em que estou a trabalhar agora possam ter acesso às músicas. O feedback que tenho é muito positivo, as pessoas que já me conheciam do tempo do freestyle acho que muitas delas ficam orgulhosas em ver onde é que eu consegui chegar, o que estou a conseguir fazer e a artista que me tornei depois de tantos anos. Hoje sou a Eva RapDiva, continuo aqui, continuo a rimar, com álbum, faço shows, estou com uma identidade artística diferente e mais madura. Então o feedback que recebo de cá é aquele feedback que me deixa muito feliz porque há pessoas que olham para mim e dizem “tu não desististe, tu conseguiste, tu estás a fazer, quando dizias que o teu sonho era esse e estás a realizar o teu sonho”. É bom para mim ver que pessoas que me conhecem há muito tempo hoje se sentem orgulhosas daquilo em que me tornei.

O que é que levaste daqui na bagagem?

Na verdade levei tudo (risos). Acho que foi a experiência do hip hop tuga que me permitiu ser a rapper que sou hoje. Eu comecei a rimar cá, as minhas primeiras influências foram de cá. As típicas, desde Boss AC, a Black Company, Da Weasel. Mais tarde Chullage, Sam The Kid, Bob da Rage Sense, Sir Scratch, Valete. Enfim, as minhas referências são basicamente essas. O próprio NGA mais tarde também. Eu vou buscar um bocado do Xeg, os Mind da Gap, Dealema, a Capicua que é minha amiga, minha sista e também uma influência para mim, não tem como. Eu bebi da torneira do hip hop tuga ou, melhor, reguei a minha semente com a água do hip hop tuga, mas depois a semente foi brotar em Angola. O resultado de tudo aquilo que aprendi cá foi ver-se em Angola porque por mero acaso a vida levou-me para lá, as coisas começaram a acontecer lá bem e hoje em dia sou artista que sou. Mas quase tudo o que eu sou como rapper, a minha paixão pelo rap e as minhas primeiras influências começaram mesmo em Portugal.

E o que se segue?

Só Deus sabe. Neste momento, eu não tenho a necessidade de explorar outros mercados porque tenho uma agenda boa em Angola, porque tenho um público espectacular que eu amo muito, porque sou uma artista considerada bem-sucedida, só este ano já recebi cinco prémios tanto com a música “Um assobio meu” como com a música “Final Feliz”. Enfim, a minha carreira lá neste momento está boa, mas nós às vezes queremos procurar novos desafios. Eu tenho algumas propostas para o Brasil, que estou a avaliar, e também gostava, porque também tenho boas propostas para Portugal, de explorar melhor o mercado português e dar de volta ao público português e ao mercado português aquilo que eu recebi no que toca ao knowledge sobre hip hop, às influências musicais que tive, às vivências e todo o aprendizado que tive oportunidade de ter ao lidar com os artistas de cá.

E um projecto com Capicua, com M7…

Entre nós temos uma crew que são as Feias, Porcas e Más. Aliás, temos uma música com esse nome que entrou na mixtape Capicua Goes West. Nós somos amigas, estamos sempre juntas, elas são pessoas muito importantes para mim. Às vezes para fazer certas coisas tenho que ligar “Capi, olha, aconteceu isto, o que é que achas?” Vivemos muito assim e são pessoas que me fazem crescer muito, que me ajudam muito e que me dão muito amor e muito carinho. Então, com certeza, se houver oportunidade, lá mais para a frente, haverá assim um projecto de Eva RapDiva, M7, Capicua e a Tamin. Vão haver coisas com certeza nossas.

 


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