pub

Publicado a: 24/10/2017

Drew McDowall: “Com a síntese modular as possibilidades são infinitas”

Publicado a: 24/10/2017

[ENTREVISTA] Rui Miguel Abreu [FOTOS] Direitos Reservados

Drew McDowall lançou quase em paralelo este ano um novo álbum, Unnatural Channel, sucessor de Collapse, e Time Machines, reedição de material de 1998 do homónimo side-project dos lendários Coil, grupo de John Balance e de Peter “Sleazy” Christopherson com que colaborou nos anos 90. E é exactamente assim que a sua música – profundamente experimental e inquisitiva – se move: entre o passado e o futuro, numa dimensão singular que só mesmo Drew McDowall parece habitar. Amanhã cruza sampler e sintetizador modular numa sessão exploratória na Galeria Zé dos Bois que não se deve perder. Antes disso, numa nítida ligação Skype a partir de Nova Iorque, o músico veterano falou do passado e do presente, dos Coil e de Nova Iorque, de máquinas e de pessoas como Robert Turman ou Delia Derbyshire.

 


drew-2


No início deste ano mencionou à revista Fact que tem produzido música electrónica toda a sua vida. O que eu quero saber, porque estou realmente curioso, é se existe um cofre algures carregado de fitas originais com essas experiências inéditas?…

Bem, infelizmente… eu comprei o meu primeiro gravador de fita quando tinha 16 anos e usei-o logo para gravar coisas da minha primeira banda, os Poems. Acumulámos muito material que nunca editámos, incluindo um álbum em que participaram alguns membros dos Orange Juice, um híbrido de música experimental e pop. Mas todas essas fitas desapareceram num fogo. Muito triste. Aconteceu por volta de 1987, numa casa que eu tinha com a minha ex-mulher, Rose (McDowall, membro dos Poems, mais tarde de Strawberry Switchblade e Sorrow). Essas fitas têm hoje para mim uma aura mítica. Não existem sequer más cópias em cassete…

E como é que preserva esse material na sua memória? Acha que se perdeu uma obra importante ou será que o fogo foi o melhor que lhes podia ter acontecido?

(Risos) Na verdade, se calhar a minha memória atribui-lhes mais qualidade do que a que de facto essas fitas continham. Mas adoraria poder revisitar esse material: certamente boa parte seria muito ingénuo, coisas de principiante que apalpa terreno e tenta perceber o seu lugar, mas às vezes essa ingenuidade, essa energia de neófito rende coisas com algum valor.

Como é que a sua relação com as ferramentas de produção sonora evoluiu ao longo dos anos?

Devo dizer que adorei a evolução da tecnologia e que fui adoptando as novidades que foram aparecendo. Não como uma forma de substituir as ferramentas que eu tinha começado por eleger, mas como um acrescento a elas. Tento não “fetichizar” o equipamento e não me envolver demasiado com todas essas questões das ferramentas. É demasiado fácil cair nesta vertigem e estar sempre a perseguir a novidade mais brilhante e há algo de realmente válido em manter apenas umas quantas ferramentas e aprender o máximo sobre elas. É um equilíbrio delicado entre as duas atitudes e se calhar eu nem sempre caio para o lado certo. Mas tento manter-me a par de desenvolvimentos relevantes, sim.

Mas houve algum instrumento, alguma unidade de efeitos, algum gravador ou qualquer outra ferramenta que se tenha mantido constante no seu setup todos estes anos, uma peça de que simplesmente não se consiga separar?

Quando me mudei de Londres para Nova Iorque em 1999 não levei nenhum equipamento comigo, vendi tudo o que tinha. E depois comecei a montar um novo setup: uso intensivamente a síntese modular, o que significa diferentes abordagens a alguns dos processos que eu usava desde os 17 anos. Um dos meus primeiros sintetizadores foi um Korg MS-10 e depois evoluí para o MS-20 e o MS-50. Recentemente usei o Korg MS-20 – não tenho um, pedi emprestado… – para as apresentações de Time Machines que fiz. Não posso por isso dizer que me tenha mantido fiel a alguma peça de equipamento deste os 16 anos, mas muito do equipamento que tenho hoje já o mantenho há mais ou menos uns 15 anos. Por isso posso falar de algum grau de continuidade, certamente nos processos e até nalgum do equipamento.

Fale-me um pouco do seu trabalho com os Coil nos anos 90: não deveria ser fácil trabalhar nas margens mais remotas da música experimental, sentiam-se como outsiders?

De facto sentíamo-nos como outsiders. Naquele tempo, quando eu estava a trabalhar com os Coil, não havia praticamente Internet, só algumas mailing lists, mas as coisas não eram muito orientadas pela web. E não havia plataformas sociais, pelo que era difícil perceber exactamente quantas pessoas apreciavam o que estávamos a fazer. Para que alguém manifestasse algum tipo de apreciação era necessário um empenho físico, escrever uma carta, o que as pessoas faziam, ou então seria preciso virem mesmo ter connosco, o que acontecia raramente, talvez se tivéssemos um concerto em Londres ou algo assim. Por isso, sim, sentíamos que habitávamos uma qualquer margem mais remota, toda a nossa comunidade se posicionava nas margens do que quer que estivesse a acontecer musicalmente. Mas isso acabava por ser bom, já que nos dava liberdade e nos protegia de distracções acessórias. Há muito que se diga acerca de trabalhar em relativa obscuridade. Claro que as pessoas iam comprando os discos e as sementes foram sendo lançadas ao solo, com pequenos grupos espalhados por todo o mundo a pegarem nos discos, a gravá-los em cassetes que passavam a outros amigos. Portanto também dessa forma se gerou um lento processo de reconhecimento do nosso trabalho, mas de forma muito diferente da que temos hoje. Não foi sem surpresa que me fui apercebendo do crescimento da reputação dos Coil. E ainda me surpreende quando as pessoas hoje me abordam e me explicam o quão importante é a obra dos Coil para elas.

 


https://www.youtube.com/watch?v=CKql4sX49s8


Time Machines acaba entretanto de ser reeditado, enquadrando-se nesta enorme vaga de recuperação da memória da electrónica mais experimental: chega a ser impossível conseguir adquirir todas as coisas que gostaria, tal a quantidade de coisas incríveis que vão sendo relançadas. Mas é de facto incrível poder finalmente contactar com música que há uns anos era completamente inacessível…

Sinto exactamente o mesmo. Mesmo na atura em que estava nos Coil não era fácil manter-me a par de tudo o que se passava, por isso perdi muita coisa na época, até porque tinha uma capacidade limitada para comprar o que me apetecia. Por isso tenho aproveitado muitas reedições para ouvir coisas fantásticas pela primeira vez. Por exemplo, e só para dar um exemplo, conhece o material do Robert Turman?

Claro! Consegui comprar títulos dos anos 80 como Flux, Spirals of Everlasting Change e Way Down. Mas ainda tenho muito por onde explorar a obra dele…

Na época em que os discos dele saíram originalmente eu nem sabia quem ele era, não tinha consciência do seu trabalho. Por isso apanhar estas reedições nos últimos anos resultou numa incrível revelação.

Já lançou dois álbuns na Dais Records. Como é que nasceu a vossa ligação?

Quando comecei a fazer concertos a solo em Nova Iorque, o Ryan Martin, um dos sócios da Dais, que também tocava ao vivo com vários projectos, costumava cruzar-se comigo, fizemos amizade e ele sempre mencionou que se eu quisesse lançar alguma coisa ele estaria interessado em fazê-lo. E sempre me pareceu que a abordagem deles à edição era muito boa: era algo importante para eles, eram empenhados em todas as fases do processo de edição, funcionavam como uma família e embora tenham artistas muito diferentes no catálogo, há algo que nos liga a todos, o que nos leva a sentir uma tendência algo familiar que sabe mesmo bem.

Falando agora de processos: a síntese modular parece inspirar uma real devoção entre uma certa classe de artistas. No seu caso, o que é que o atraiu para esse particular campo da electrónica?

Para mim é a possibilidade de trabalhar com uma tela em branco. Quando se liga um sintetizador com presets é possível navegar por esses sons pré-definidos que numa primeira abordagem até podem soar incríveis, mas qualquer outra pessoa com o mesmo sintetizador irá eventualmente usar os mesmos sons. E é verdade que se pode editar esses sons, mas parece que se é sempre obrigado a seguir o mesmo caminho. E a cena fantástica acerca da síntese modular é que se passa muito tempo a ligar cabos e as possibilidades são infinitas. Pode-se criar timbres realmente extraordinários e podem cometer-se erros que ainda assim fazem sentido e soam bem (risos).

O que eu sinto na sua música é que obviamente parece muito interessado em mostrar-nos o resultado das suas visões e ideias sem necessariamente revelar ou valorizar o processo que usa para a sua criação. Muita desta música hoje em dia parece no entanto procurar validação exactamente através da comunicação do próprio processo, revelando o seu interior. A sua música parece ser mais… opaca, nesse sentido.

Sim, isso é o resultado de uma procura constante. Se eu consigo criar um som no modular, quando o gravo vou voltar a processá-lo: poderei samplá-lo e voltar a enviá-lo através dos circuitos do modular. Qualquer um dos meus sons acaba por ter muita complexidade, mesmo que soe muito simples e transparente. Pode ter muitas camadas de reprocessamento, de edição, com muito trabalho feito no meu computador antes de o reenviar através da cadeia de máquinas que uso.

O que faz no estúdio é portanto muito diferente do que apresenta ao vivo?…

Nos discos, muito do que se ouve acaba por resultar da edição, o que me permite ir ao detalhe de cada som. O que para mim é um processo muito interessante – pegar nalguma coisa que tenha feito no modular e depois conseguir esculpir isso, tornar o som numa coisa quase escultórica. E depois quando toco ao vivo não me limito ao modular, também integro um sampler, um Octatrack, que adoro porque me permite pegar no que eu faço no modular e depois retorcer tudo, distorcer, manipular tudo ainda mais. Essa combinação – do modular e do Optitrack – resulta mesmo maravilhosamente.

É interessante o uso da metáfora da escultura para descrever o acto de fazer música. A Delia Derbyshire do Radiophonic Workshop também foi descrita – penso que num documentário – como “uma escultora sónica”…

A Delia Derbyshire foi uma das minhas primeiras influências. Crescer no Reino Unido significava ser exposto à sua música, mesmo sem ter consciência de quem era ela. Só muito mais tarde é que percebi. Mas o seu design sonoro foi uma parte muito importante do meu crescimento, uma influência mesmo importante.

Como é que se encaixa na cena experimental de Nova Iorque: imagino que seja um contexto muito diferente daquele que conheceu em Inglaterra…

É uma cena incrível, uma comunidade fantástica e muito multi-facetada. E mesmo com diferentes pessoas a fazerem coisas diferentes, sente-se um apoio comunal muito forte. Sinto-me muito afortunado por viver aqui e tenho que me lembrar que há muitas coisas maravilhosas a acontecerem em todo o lado, mas em Nova Iorque há uma densidade de oferta impressionante. São 10 ou 11 milhões de pessoas a viver num espaço relativamente pequeno e por isso há muita gente criativa a fazer música maravilhosa. É possível sair sete noites por semana e ver coisas espantosas. É uma comunidade que apoia muito, mas que não suporta a preguiça. É preciso estar sempre em cima das coisas, trabalhar muito, porque há muita oferta de coisas incríveis. E isso obriga cada pessoa a estar no topo de forma se quiser deixar a sua marca.

Esta será a sua primeira vez em Lisboa, certo?

Sim e estou muito excitado por isso. Nem acredito que nunca fui aí, é uma daquelas coisas inexplicáveis, mas que agora vou corrigir.

Conhece a Addac Systems?

Sim, sim, têm coisas incríveis, muito complexas, diferentes. Eles têm uma abordagem à síntese modular muito diferente da de todas as outras marcas.

 


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos