Texto de

Publicado a: 10/09/2015

pub

dr_dre_compton_a_soundtrack_review

“Não gosto de estar debaixo dos holofotes, pelo que a minha escolha de carreira é estranha. Essa é a razão para a minha mística e a razão para ser tão recolhido em mim mesmo e a razão pela qual ninguém sabe nada sobre mim”. Estas foram das poucas palavras que Dre disse fora dos estúdios que sintetizam o tipo de artista de que falamos. Quem não o conhece pelo trabalho, reconhece-lhe o nome, pela quantidade de vezes que figura no pódio dos mais ricos do mundo, eleitos pela revista Forbes.

Antes de analisar o seu mais recente trabalho, há que ter em conta que falamos de um homem que aos dezassete anos já era pai e que, aos vinte, além de um Corvette e um Mercedes na garagem, tinha “1 milhão de dólares depositados no banco, altura em que ainda não podia sequer beber”, disse ele numa entrevista à Rolling Stone. Pode desde já afirmar-se que Dr. Dre é um exemplo da materialização do American Dream – nasceu e cresceu pobre, mas soube escolher um caminho onde não havia ninguém melhor que ele. Lançou movimentos e, cito o Ípsilon, “anunciou ao mundo que o hip hop era um negócio de milhões. (O seu segredo? Devolver a imagem que os brancos haviam criado dos negros)”.

A sua ascenção começou ao disparar Straight Outta Compton dos N.W.A. (Niggaz Wit Attitudes) para o estrelato e faturando milhares com isso. Tudo graças à Death Row, aquela que seria a primeira editora com a sua assinatura, montada na década de 90. O seu percurso não conheceu outro sentido além da subida, mesmo quando se viu envolto em polémicas mediáticas como a altura em que agarrou a apresentadora da FOX “pelo cabelo” e a “atirou contra uma parede”, segundo palavras da própria. A defesa? “Se alguém me fode, eu fodo-o. Fiz o que tinha de fazer. E não há nada que possa fazer quanto a isso. Além do mais, não foi nada de especial – só a atirei contra uma porta”.

Sempre isolado no seu estúdio/caverna, manteve a discrição perante o mediatismo e em 1996 criou a sucessora de Death Row, Aftermath Records, responsável por alguns dos nomes mais sonantes da última década, dos quais sublinho Kendrick Lamar, Eminem, 50 Cent e Busta Rhymes. Todos juntos, são ainda uma gota no oceano de todo o trabalho que Dre já fez durante os seus 50 anos de vida. Três anos depois, em 99, edita “2001”, o último fragmento do seu legado pessoal enquanto músico. E tudo o que surgiu a partir daí foram colaborações e variados rumores sobre “Detox”, o prometido ex-libris da obra Dre que nunca chegou a existir porque o perfeccionismo inerente a este produtor assim não o permitiu.

Em vez disso, chegou-nos Compton: A Soundtrack by Dr.Dre, e o efeito foi o mesmo que se esperava relativamente a Detox: o mundo parou para o ouvir. O resultado? Uma desilusão igualmente grande à expectativa em torno do final de um hiatus de 16 anos. E eis porquê: Dre tem mais histórico do que a quase totalidade dos artistas que fazem parte do movimento hip hop contemporâneo. Conhece o ADN do género como poucos, conhece aquilo que já foi feito e o que ainda falta dizer ao mundo. Este álbum, contudo, age contra a natureza da génese que originou o movimento: meter o dedo nas feridas da sociedade e contar a realidade urbana tal como é, sem eufemismos.

Se excluirmos meros exemplos, esta película vive muito do estatuto e pouco da essência. Não seria aceitável dizer que o resultado de uma paragem de 16 anos é decepcionante, mas a ideia confirma-se quando se multiplicam comentários às músicas da obra: “Este é mesmo o Dre?”.

O autor da Aftermath preocupou-se em demasia com a fachada de cada música: tentou fazer com que não se notassem as rugas do tempo (repare-se toda a maquilhagem sonora de “It’s All On Me” – autotunes e electric basses que em nada se destacam, semelhantes a outra aposta de Dre, aquele que se dizia ser o ‘próximo’ Eminem e de quem ainda não se ouviu sequer falar) e acabou por soar como um rádio de pilhas na era do streaming. Nota-se uma clara vontade de Dre em querer “estar na moda” quando introduz trap(alhadas)  em contextos de hip hop, fazendo com que estes deixem de o ser. Na maioria das faixas, os refrões parecem mecânicos, muitos deles com mensagens clichês, já esgotadas (como a quadra de “All In A Day’s Work”) e praticamente sem sumo que se possa extrair do fruto. Outros exemplos, como a ostentação de “Talk About It”, ou as ideias repetitivas de “Just Another Day”, são lugares comuns já sobrelotados.

Mas nem tudo é mau. Existem alturas na peça em que a noção não se perdeu por completo e Dre lembrou-se claramente dos objetivos que tinha em mente. “Animals”, juntamente com “For the Love of Money”, são bons exemplos dos estilos gangsta/thug rap, dos quais Dre foi percursor. No caso do primeiro, é um tema com teores políticos que deixa os holofotes sobre o debutante que vence a realidade e sai por cima dela, ou seja, a história que levou muitos temas do hip hop a liderar tabelas e que, infalivelmente, nunca cansa. Há ainda outros exemplos que mostram a capacidade que Dre tem (quando quer) em fazer com que algo gasto soe a novo, mesmo que não o seja. Atente-se a “Medicine Man” no caso de Eminem e “One Shot, One Kill” no que diz respeito a Snoop Dogg. Por fim, e aqui não há nada a apontar, a participação soberba de Kendrick Lamar – muito igual a si mesmo e que, quase sozinho, impede que o álbum seja uma queda total no abismo (como em “Genocide”).

“Parte do problema em antecipar e avaliar um novo trabalho de Dr. Dre tem a ver com a capacidade de medirmos as expectativas”, disse acertadamente a Pitchfork sobre Compton uma vez que, enquanto Dre se manteve fechado no seu universo monopolista, o hip hop não deixou de seguir em frente ao longo destes 16 anos. Evoluiu e descobriu novas formas de falar para quem o ouve, e Compton é uma prova desse isolamento pelo qual Dre optou. Até finais da década de 90, foi ele quem mandou e ditou as regras do jogo, e o resultado deste último trabalho mostra os efeitos de quem se autorizou a ir ficando para trás, sendo agora incapaz de chegar a novas consciências, porque num ano em que bombas como To Pimp a Butterfly são lançadas, é preciso um esforço sobre-humano para tentar desviar atenções de monstros como Lamar, Vince Staples, A$AP Rocky ou Joey Bada$$. Dre, claramente, não fez muito para que isso acontecesse.

Faixas essenciais: “Genocide”; “Animals”; “Medicine Man”; “For the Love of Money”

pub

Últimos da categoria: Críticas

RBTV

Últimos artigos