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Do terror de Paris a um sonho de paz global

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados

 

Terrível o que ontem aconteceu em Paris. Terrível o que ontem, e antes de ontem, aconteceu onde quer que seja que se morra vítima de actos de violência. A morte é sempre terrível, sobretudo quando acontece apoiada em qualquer tipo de delírio extremista, porque muito mais absurda, injustificada, triste.

Acordo hoje em Roma com estas terríveis (desculpem, mas as palavras não me sobram agora) notícias que me dão conta do horror que ontem se abateu em Paris. Pretendia escrever – e ainda o farei! – um artigo sobre breaks famosos, já que me encontro na capital italiana para assistir à final do Red Bull BC One. O âmbito editorial do Rimas e Batidas é, para todos os efeitos, muito apertado: não somos um canal de notícias, não somos uma publicação de comentário político, não somos um órgão atento a importantes questões internacionais do âmbito económico, geo-estratégico, político ou religioso. Escrevemos sobre hip hop, sobre techno e batida e outras electrónicas. Escrevemos sobre música e músicos, sobre discos e DJ sets e concertos. E esse já é um universo tão vasto que tudo o que se espraia para lá das suas fronteiras nos escapa naturalmente. Para que outros o possam abraçar.

Mas então, como escrever sobre breaks numa manhã em que numa capital europeia aqui próxima – são todas próximas, na verdade – se choram mais de 100 mortes, sabe-se lá quantos feridos?… Chora-se a própria civilização e chora-se a impotência de inverter esta ordem de coisas que nos procura impor o medo, fazendo-nos reverter a um estado de permanente desconfiança, alerta… Desconfiança e medo do outro, do que não se conhece, do que é diferente.

E é então que me volto a lembrar do hip hop: de Afrika Bambaataa a tocar Kraftwerk para miúdos negros e latinos no Bronx em 1974; de Chuck D e Ice Cube a levarem a negritude aos subúrbios da América branca; de Eminem a inspirar miúdos das inner cities a pegarem numa caneta e verterem as suas visões para dentro de um microfone. O hip hop, acreditem se quiserem, é uma cultura de paz, de aproximação, de atracção entre as diferenças, de celebração da individualidade no seio de uma particular globalidade. Uma espécie de todos diferentes, todos iguais. E sim, não sou ingénuo ao ponto de não achar que o hip hop também não fala de armas, também não reflecte a violência que por vezes – vezes de mais, se calhar – o rodeia. Mas nada disso me faz esquecer que esta é uma cultura fundada na paz. Rubble Kings, o documentário que todos podemos ver agora no Netflix, fala disso mesmo: de uma cultura nascida de uma tentativa de contrabalançar a violência das ruas e dos gangues com uma construtiva esperança de futuro. Extrapolar isto para o Islão não exige a mais poderosa das imaginações. Acredito também que seja uma cultura fundada na paz, desvirtuada por quem dela se aproveita para tentar propagar pela violência uma radical interpretação da história.

Por isso mesmo, parece-me que voltar aos breaks é voltar ao princípio, a esse momento fundador de uma utopia tantas vezes alcançada, permanentemente desejada, de paz, de harmonia, que o hip hop no seu âmago professa. Tal como outras culturas fundadas na partilha da diferença na pista de dança – do Warehouse de Chicago às raves em redor da M25 em Inglaterra e daí até aos clubes de Paris: discoteca, afinal de contas, é uma palavra francesa… Acredito ser nestes terríveis momentos que mais precisamos de nos lembrar do que nasce do amor e acredita na paz. Seja o hip hop, o acto de dançar ao som do que nos oferece um DJ, uma religião ou algo de diferente que vemos como distante e ameaçador, mas que na verdade é apenas um reflexo nosso no espelho da história. Terrível mesmo será deixarmos de acreditar nisto. 

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