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Publicado a: 22/11/2017

Djonga: “O choque é bom. Acho que a arte tem que causar esse incómodo”

Publicado a: 22/11/2017

[TEXTO] Núria R. Pinto [FOTO] 1993agosto

Com um dos álbuns que se arrisca a figurar no topo do topo dos melhores trabalhos brasileiros de hip hop em 2017, apanhámos Gustavo aka Djonga nos bastidores do Maze Fest, em São Paulo. De rimas incisivas, incómodas e que contam a realidade tal e qual como é, seria de esperar alguém com um rosto fechado e até distante. Num pólo exactamente oposto, é no inteligente sorriso rasgado que define a sua imagem de marca. O MC mineiro, que é, definitivamente, um dos nomes da nova geração do rap made in Brasil que tão cedo não se afastará dos holofotes, esteve à conversa com o Rimas e Batidas.

 



Como é que um homem do funk que é baptizado “Djonga” num Sarau de Poesia acaba a fazer um dos melhores álbuns de rap brasileiro de 2017?

Porra, essa pergunta… (risos) Cara, eu acho que começou tipo, eu tenho uma família que faz muitas festas, sabe? E festa, o que anima a festa é a música, né? Nessa brincadeira aí de estar sempre ouvindo música e estar sempre fazendo festa, eu sempre ouvi de tudo. E eu tomei um gosto pela música, sim. Muito grande. Por um acaso – ou não por um acaso – na época que eu comecei a me envolver com a cena cultural de “querer fazer”, rolava o duelo de MCs, lá em Belo Horizonte. E o duelo de MCs, pô… Rap, né cara? O bagulho da batalha, da cultura hip hop estava muito forte na época, estava tendo várias batalhas no país inteiro… então eu ia no Sarau, chegava no Sarau e recitava poesia e a poesia saía no ritmo de rap. Então… Sabe aquelas coisas que a gente não sabe nem explicar? Mas é de tanto que eu estava influenciado pelo hip hop naquela época que tudo o que eu fazia acabava tendo uma influência muito forte do hip hop. E aí deu nisso aí, né?

Lançaste o teu álbum este ano, em Março. Como é que tu olhas para o Brasil de 2016/17 e de que forma é que isso se reflecte no teu trabalho?

Então, cara, eu vejo um país com uma instabilidade política muito forte, né? Um país onde várias discussões que não estavam sendo feitas, há muito tempo – ou melhor, estavam sendo feitas por menos gente, passaram a ser feitas por todo o mundo. Bom por um lado – no sentido em que passaram a ser feitas por tanta gente que o bagulho estava tipo… muita gente que não teve voz para falar as paradas, estava falando, ‘tá ligado? – e ruim por outro lado no sentido das pessoas falarem qualquer coisa, entendeu? Então era aquele caos, se ligou? Gente falando coisa da hora, muita gente que não falou falando o que estava faltando ser falado… Muita gente que nunca falou, vomitando. Ou seja, falando coisas que talvez não faziam tanto sentido – mas fazia sentido para essas pessoas… Então esse é o Brasil que eu vejo em 2016 e 2017. E que agora está acalmando um pouco porque as pessoas estão começando a entender melhor as coisas. Procurando saber, procurando se informar melhor. E tem muito a ver com essa coisa da Internet, né? Que traz os debates para a cara de todo o mundo, sabe? Muita coisa que você não quer vem para a sua cara, ali…

Mas que também distorce muito a informação. A informação vem em grandes blocos e nada é filtrado, tudo se consome…

Total. Mas um pouco menos no sentido de que numa reportagem de rádio, de TV, antigamente, seria mais fácil distorcer que hoje em dia. Então o que eu falava numa reportagem de rádio, antigamente, eu não tinha como me defender.

Pelo menos, hoje em dia, a Internet me dá esse leque de opções ou de informação para me defender. Por exemplo. Entendeu? É bom e é ruim. É muita merda que as pessoas falam – porque estão falando de qualquer jeito, atrás do teclado todo o mundo é foda, mas é muita coisa boa também. Muita gente que nunca teve voz falando, também. Esse é o país que eu vejo.

2017 foi um ano único, também, porque foi um ano em que no Brasil se cantou muito a auto-estima preta. Álbuns como o do Rincon (Sapiência) ou do Baco (Exu do Blues), bastante focados na cultura-afro brasileira. E o teu, também nessa linha, mas muito mais cru e onde metes “o dedo na ferida” de uma forma mais incisiva, digamos assim…

É, eu acho que isso é uma opção do meu trampo, assim. Recebo muita crítica por isso e muito elogio, também. É uma escolha, mesmo. E eu escolhi desde sempre trabalhar assim, nas figuras de linguagem. Tanto para falar de coisa boa quanto para falar de coisa ruim… é o exagero, mesmo. Para ver se a galera entende, sabe? O choque é bom. Acho que a arte tem que causar esse incómodo. O incómodo é aquela coisa que mexe ali… Porra, vamos pensar diferente isso aqui. Ou pensar da mesma forma, mas com mais consciência. E eu acho que essa coisa da auto-estima do povo preto, é uma coisa que está sendo construída pelo povo preto há muito tempo, assim. Uma coisa que foi muito difícil de ser construída… Numa sociedade, assim, extremamente preconceituosa. Não só racista, mas preconceituosa em relação a tudo.

O que pode ser algo muito ténue. Parece que não está lá, mas é preciso vê-lo nas mais pequeninas coisas.

Pois é, são aquelas coisas que tipo, assim… Você faz uma acusação a uma pessoa mas fica um negócio meio no ar e então você não pode dizer que ela fez ou ela não fez, sabe? Sabe como é que é? De repente, um olhar, uma olhar racista ele pode machucar tanto quanto uma palavra racista. Como é que eu vou falar “ele me olhou desse jeito”? Não tem como provar.

E às vezes é uma questão mais estrutural, também. Em entrevista com o Emicida há um par de meses, ele dizia que, em São Paulo, aparentemente ninguém é racista mas se fores para os Jardins ou para Moema não existem pretos ali…

É exactamente isso. Só que eu acho que isso já chegou num nível que a gente já consegue ver, né? Só que essas coisas mais subjectivas, ainda, a gente não consegue. Tipo essa parada do olhar que eu te disse, entendeu? Essa parada de eu sentar aqui do seu lado e você levantar, vamos supor. Aí, porra… Como é que eu vou falar que você levantou por isso? Não tem como eu falar… A gente sabe, né? No fundo fica muito claro. A repetição deixa isso claro.

 



Há uma parte na tua primeira faixa do Heresia, a “Corre das Notas”, que diz: “batendo milhões no YouTube ao mesmo tempo batendo carteira no Centro”. Há aqui uma espécie de autismo de quem “governa”, digamos assim, em relação ao movimento cultural que é o rap no Brasil? Ou seja, ele está mais vivo do que nunca mas, ao mesmo tempo, não é bem reconhecido como uma coisa que está viva?

É isso, cara. Ao mesmo tempo que você está ali fazendo o seu corre no hip hop, no rap, para conseguir ganhar um dinheiro, para… enfim, para conseguir ter um conforto… você está tendo que vender droga, você está tendo que trabalhar fichado, fazendo um monte de coisas que você não queria estar fazendo, entendeu? Porque – talvez hoje em dia menos – , mas ainda é pouca a oportunidade para nós. Até quando a gente está fazendo arte.

Completamente fora de contexto mas sendo que é algo bastante curioso do teu trabalho, como é que tu acabas a participar em dois shows da Elza Soares e o que é que isso significa para ti?

Então cara, aquilo foi uma coisa que uma amiga minha, a Nat Rodrigues lá de BH, dançarina, cantora, uma pessoa e artista maravilhosa… E a Nat, ela precisava de dois, estavam faltando dois… não, estava faltando um homem negro para participar na musica “A Carne”, da Elza. Uma intervenção. Tipo, entrar só de sunga ou de tanga, não lembro na época, e ficar sentado olhando para ela… Não, foi engraçado! (Risos) Tipo, para entrar e ficar olhando assim para ela na hora. E eu pensei, “Nossa, jamais.” Eu de tanguinha no palco? Nada a ver, né? Fora de forma, mesmo se eu tivesse eu acho que não iria me animar… (Risos) Eu fiquei assim, “Nossa, nada a ver”. Só que fiquei pensando, “Porra, a Elza Soares…” Como é que eu não vou estar presente, também, de alguma forma nesse momento, sabe? É uma parada que me deu uma experiência fodida, assim.

Ela é um ícone. A representação que traz para as mulheres e principalmente as mulheres negras…

E do artista, de um modo geral, né? Eu acho que, como artista, e independentemente disso tudo… Já parou para pensar? Uma pessoa daquela idade, com as condições em que ela já se encontra, conseguir subir no palco, manter a postura e fazer um showzaço daqueles, sabe? Pelo amor de deus! Tipo, assim… Como artista, ter aquele controlo da situação igual ao que ela tem naquela idade… É surpreendente, velho. Surpreendente.

O que é que podemos esperar do Djonga nos próximos tempos?

Eu estou fazendo o meu disco novo para sair no ano que vem. Não sei se sai no final do ano ou no meio do ano que vem. Vai-se chamar O Menino Que Queria Ser Deus. E é isso… Vamos ver no que é que vai dar isso aí, ‘tá ligado? (Risos).

Em relação ao que se faz em Belo Horizonte, que nomes não podemos deixar passar, aqui deste lado do Oceano?

In Rua, muito foda. La Plaza, Mão Única, Clara Lima, Isabel GE, Vitinho GE, toda a galera do DV (Tribo)… É muita gente! Matéria Prima, Zulu… É muita gente mesmo! Não pode deixar de ouvir ninguém de BH! (Risos)

Djonga, obrigada!

Obrigado! Prazerão e estamos juntos. Ano que vem é nóis, porra!

 


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