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Publicado a: 06/11/2015

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dj_ride_from_scratch_review (1)[TEXTO] Bruno Martins

 

Os anos passam e os desafios aumentam. DJ Ride já não é só um simples turntablist ou produtor. Tomás Oliveira carrega hoje um peso grande nos ombros: o de ser considerado por muitos o melhor DJ da actualidade em Portugal. Ride fez por isso, que é como quem diz, trabalhou muito para chegar a este ponto e temo-lo acompanhado, não só em discos, mas também em actuações ao vivo, campeonatos do mundo da especialidade que tem varrido a solo ou com o eterno companheiro de armas, Stereossauro, ou ainda ao ser integrado em várias plataformas da Red Bull, como a Red Bull Music Academy ou, no mês passado, na Red Bull Thre3Style.

A aventura de DJ Ride vai longa. Oito anos e três discos de longa-duração, mais um par de EPs e a produção de discos com Beatbombers, fazem com que, quando pomos a tocar o quarto e mais recente LP, From Scratch, consigamos identificar uma sonoridade própria que emana do talento do produtor das Caldas da Rainha, num disco que é uma espécie de best-of estilístico de DJ Ride, uma demonstração daquilo em que se especializou, desde as composições instrumentais às múltiplas colaborações com MCs.

From Scratch não foge a nenhuma das referências do produtor – nem a capa, a fazer lembrar uma raspadinha para a qual é preciso ter unhas. Depois de começar com um skit de teste aos, pratos, shakers, bombos e sintetizadores, DJ Ride começa por pôr o disco a soar ao seu estilo clássico, em “Surprise Box”, que nos traz à memória edições como Beat Journey, Psychadeic Sound Waves: teclados espaciais, com suaves melodias a contrastar com o volumoso estrondo das batidas e riffs das tarolas, elementos unânimes e transversais na carreira do produtor.

Este é um disco de sólidas parcerias. Os convidados começam a desfilar na terceira faixa: em “Ciúmes”, Ride puxa para o seu lado uma das bandas portuguesas da actualidade com mais swing, os HMB, que imprimem a sua marca romântica-funkadélica, com o carimbo da voz de Héber Marques. Capicua aparece em “Fumo Denso”, outro single já divulgado deste From Scratch, numa canção mais lenta, mais composta, preenchida pela névoa que se espalha no encanto, paixão e sabedoria natural que a rapper do Porto transporta nas suas interpretações, independentemente do cariz dos temas.

O desfile das vozes continua com o puxar de galões de Dengaz e Zacky Man, que, pelo estilo próprio, levam os beats que Ride fez em “Baddis” para um cenário mais dancehall; os sempre explosivos MGDRV aproveitam o peso criado por Ride em “Big Bang”, impulsionado por uns trombones bem graves a avolumar o beat – “até se te apaga a luz”. Mas Ride também sabe também sabe baixar o volume e criar um ambiente mais semi-poético que dá espaço à voz da desconhecida Mia Holiday que nos remete para as recordações estilísticas dos Moloko, da irlandesa Roísin Murphy.

A malha marcadamente de hip hop mais clássico revelou-se uma das surpresas mais agradáveis de From Scratch. “Coisa Leve” é a faixa que DJ Ride trabalhou a meias com o MC Jimmy P, que arranca com um sample de “DWYCK”, dos Gang Starr: You can say I’m sort of the boss now get lost” é o combustível para Joel Plácido, conhecido hoje como um dos rappers da vanguarda do hip hop mais comercial, que interpreta um pesado egotrip que é uma das melhores prestações que já o ouvimos a ter em disco.

“On My Side”, com Free The Robots e Lewis M, é outro dos temas que fica a ecoar. É um som clássico de Ride, que vinca o seu ADN numa faixa instrumental com recurso aos samples de videojogos que já tinha explorado no passado – por exemplo no brilhante “We Were Meant” – e que voltou a ir buscar para fazer uma faixa sofisticada e cheia de classe. E já que falamos em ADN, From Scratch não podia deixar de contar com dois irmãos de Tomás: falamos do de sangue, Holly – que é também um dos mais vorazes beatmakers da cena electrónica urbana em Portugal e com quem fez “Love Live”; e o outro “irmão”, aquele que escolheu para as suas aventuras musicais em Beatbombers, Stereossauro, com quem fez um curto skit bem ao estilo festivo que os tem levado a vários palcos e à rendição das plateias.

Uma das virtudes deste From Scratch é capacidade que DJ Ride teve para dar espaço ao talento dos seus convidados. Em diversos momentos, sobretudo nas faixas mais vocais, o produtor abdicou das suas explosões, baixou volumes e encarnou as diversas personalidades artísticas das vozes que quis ter a seu lado. Acabou por assumir um disco em que olhou primeiro para aquilo que as canções podem ser e não unicamente para as suas vontades.

Este quarto disco é, em certos momentos, um trabalho verdadeiramente colaborativo e não apenas a exploração de talentos e ideias musicais de DJ Ride que deixa que as suas skills enquanto DJ, enquanto turntablist, sejam exploradas noutros eventuais cenários em que também é especialista: no palco, nas festas ou num próximo trabalho, eventualmente mais pessoal.

O disco termina com uma forte mensagem dita com a ajuda de três companheiros de cena: NBC, que canta o refrão de “Minha Meta”, Enoque e Valete, num storytelling com que muitos se poderão identificar. “A única forma de vencer neste planeta é construindo uma vida onde se consiga passar grande parte do tempo a fazer as coisas que nos fazem feliz. Só o feliz é vencedor”, ouve-se na intro da última faixa. DJ Ride aprova.


 

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