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Publicado a: 21/03/2016

DJ Premier: Parabéns, Senhor Nova Iorque!

Publicado a: 21/03/2016

[FOTO] Direitos Reservados  [TEXTO] Rui Miguel Abreu

(Recuperamos esta entrevista feita por Rui Miguel Abreu a DJ Premier, e publicada no Blitz em 2006, para celebrar o 50º aniversário de um dos produtores mais icónicos de hip hop. Parabéns, Preemo!)

DJ Premier é um dos maiores artesãos de sempre do lado sonoro do Hip Hop. Para alcançar tal estatuto, a obra que assinou para os Gang Starr desde os dias de No More Mr Nice Guy, o álbum de estreia editado ainda na década de 80, bastaria. Mas Premier fez muito mais. Deixou o nome impresso no mítico Illmatic, o primeiro álbum de Nas que para muitos é o mais perfeito registo de hip hop de sempre, ajudou a conferir um estatuto mítico a Jeru The Damaja e esteve várias vezes ao lado de Jay-Z. Ou seja, das ruas às Penthouses, do underground ao topo das tabelas de vendas – Premier é o senhor Nova Iorque, o homem que deu ao hip hop da Costa Este a sua identidade. O que não deixa de ser curioso se pensarmos que Primo é texano de gema e que os Gang Starr de Guru e Big Shug chegaram à Grande Maçã na camioneta vinda de Boston. Nesta digressão que passou pelo Mercado, em Lisboa, Premier faz-se acompanhar de Shug para que a presença em palco da Gang Starr Fundation seja mais sólida.


Muito bem, há um assunto que quero tirar já do caminho e que se prende com o futuro dos Gang Starr…

Premier – O que é que queres saber?

Basicamente se continua a fazer sentido mencionar a palavra futuro e o nome Gang Starr na mesma frase…

Big Shug – Os Gang Starr são uma questão de vida. Nunca nos separaremos enquanto formos vivos. Os Gang Starr têm uma história demasiado antiga, que se estende para lá até da ligação do Guru com o Premier. E por isso a alma Gang Starr parece que existe para lá das pessoas. Não sei como explicar, mas o facto de não veres o Premier e o Guru fisicamente juntos não significa que espiritualmente a ligação não exista.

Ok, essa parte eu percebo. Mas o que os fãs querem mesmo saber é se vai haver novos discos de Gang Starr no futuro, se vai ser possível voltar a ouvir rimas de Guru sobre batidas de Premier…

P. – Sem dúvida. Podem ficar descansados: isso vai acontecer. Neste momento cada um de nós tem outros projectos em mãos. Eu por exemplo tenho a Year Round Records, uma nova editora para onde já assinei dois artistas – um grupo chamado N.Y.Gs e um MC de nome Blaq Poet. É no disco dele que estou a trabalhar agora. O próprio Big Shug também acabou de editar o seu disco e eu tenho outras coisas em mãos: o projecto do Nas…

Fala-nos um pouco disso, se puderes.

P. – Já estão seis canções prontas. O Nas está também a trabalhar com outros produtores, claro. Mas está a correr bem. Acho que é Nas clássico. Também sou o produtor executivo do novo Royce Da 5’9

O que é curioso, porque no teu trabalho com o Nas tens um pé nas majors e no caso de Royce não podias estar mais embrenhado no underground. Esse equilíbrio é difícil de manter?

P. – Para mim resume-se a um amor pela música. Esse amor manifestou-se quando ainda era um miúdo na escola – comprava todos os discos que conseguia porque sentia que tinha que ter tudo, tal era a minha paixão. Eu nunca perdi esse lado de fã, mesmo quando comecei a fazer discos. E esse lado de fã é o que me leva permanentemente a envolver-me em novos projectos. E não nos podemos esquecer de que foi o lado underground do hip hop que deu origem aos Gang Starr, logo eu nunca iria renegar esse lado que é tão importante, até em termos criativos. Para mim, trabalhar com artistas pouco conhecidos é uma forma de retribuir tudo aquilo que o underground me deu. Se eu sentir que posso estabelecer uma ligação com um artista, por muito desconhecido que seja, então encontro uma solução. Claro que ele tem que me pagar na mesma (risos), mas o preço é mais suave.

Estás nisto há tempo suficiente para ter uma opinião sobre o debate continuado acerca da alma do hip hop. Perdeu-se mesmo há 15, dez ou cinco anos – dependendo de quem faz a afirmação esta semana – ou anda escondida?

P. – Não se perdeu, claro. Não se pode perder. O que aconteceu foi que o negócio do hip hop cresceu tanto – e com ele algumas corporações – que as coisas passaram a fazer-se de maneira diferente. Quando os Gang Starr apareceram não havia dinheiro no hip hop. As motivações das pessoas eram diferentes. Mas hoje o hip hop é uma indústria, uma das maiores no mundo do entretenimento, e as regras do jogo mudaram. As corporações interferem mais na própria arte, pedem aos artistas para mudarem a música de acordo com o que o público quer ou pensa que quer. E os artistas cedem porque não querem perder a mansão de dez milhões de dólares. Eu recuso esse estilo de vida. Recuso-me a seguir a tendência, seja ela qual for. Eu sou um criador, não um seguidor. E o que te posso dizer é que tudo funciona em ciclos e o ciclo do dinheiro não vai durar muito mais. O hip hop com que eu cresci vai voltar em força. Neste momento o Sul é que dita as regras e o Texas também está aí em força. A Costa Oeste teve o seu momento e a Costa Este também. E isso vai voltar.

B.S. – Ámen a isso. Posso acrescentar outra coisa? Hoje em dia, os rappers parecem medir-se uns aos outros pela quantidade de diamantes que carregam e a sua qualidade parece depender do grau de bling que ostentam. Mas nós somos do tempo em que os MCs e os DJs se destacavam pelas suas capacidades artísticas e o mais importante que um rapper podia exibir era o seu skill. Hoje há máquinas que substituem o skill e isso é que leva a que os produtores sejam ainda maiores do que os MCs porque são eles de facto que têm o toque mágico. Foi nessa vertigem que algo se perdeu. Mas a essência continua a ser guardada por gente como o Nas, Common, Guru, Premier, eu próprio. Porque não nos esquecemos de onde viemos.

Outra coisa que mudou foi o som do hip hop. O Shug tem razão quando diz que há muitos produtores que hoje são verdadeiras estrelas e cada um deles trouxe uma inovação qualquer a esta arte. Mas há certas coisas no hip hop que parecem ser eternas. E ouvir um beat com assinatura Premier tem por vezes o mesmo sabor que… sei lá, o regresso a casa depois de uma longa ausência. Como anda o teu estilo de produção agora? Ainda posso contar com os teus beats para matar saudades de casa?

P. – Obrigado. Eu continuo basicamente a fazer o mesmo de sempre. Sim, é verdade que tento agora alterar um pouco a forma como samplo, mas os beats têm que ter aquele som clássico que as pessoas se habituaram a reconhecer em mim. E eu sou o maior crítico dos meus beats. Se um tema novo não me agrada então ninguém vai nunca chegar a ouvi-lo.

Continuas a usar as mesmas ferramentas?

P. – No que ao sampling diz respeito, sim. Se funcionam não há razão para as substituir, certo? Mas acrescentei alguns teclados ao meu set up, só para me darem mais algumas soluções quando produzo.

Sabes, antes de chegar aqui pensei que muito provavelmente já te terias cansado de viajar com discos e que irias fazer a noite toda com um computador ligado aos pratos com o Serato ou o Final Scratch, mas não, parece que trazes a colecção às costas…

P. – Tem que ser. É importante ter os discos à mão. Quer dizer, não me interpretes mal, mas adoro as possibilidades que o Serato e o Final Scratch oferecem, pois ajudam-nos a poupar os discos, alguns deles até são raros e tal e podem perder-se ou estragar-se. E Deus sabe que eu estrago muitos discos e que as malas são pesadas e que as companhias de aviação têm uma estranha tendência para mandar as nossas malas na direcção oposta à nossa… Mas… ao mesmo tempo sinto que se perde qualquer coisa. Gente como eu ou o Jazzy Jay (N.R.: DJ de Afrika Bambaataa) ou o Roc Raida (N.R.: dos X-Ecutioners) cresceu a procurar discos, teve que carregar com os discos e com as colunas e os pratos de outros DJs para aprender, gastou muitas horas à procura dos discos certos. Estas coisas demoram anos. E um DJ também é o conjunto de todas estas experiências. Por isso, a ideia de alguém comprar o Final Scratch, passar uma semana a fazer downloads e depois poder fazer sets iguais ao meu é um pouco estranha. E estou a falar de DJs que podem ter uns dez ou 15 discos em casa apenas. Algo se perde aí – estilo talvez. Mas volto a dizer que gosto do conceito destas novas tecnologias e eventualmente irei usá-las. Mas para já ainda não…

Bem, estas perguntas todas acabam por nos levar à questão da idade. Por alguma razão, parece que só agora o hip hop começa a encarar o facto de existir uma geração mais velha. O jazz lidou com isso há muito tempo, o rock parece não ter problemas com isso: vê só os Rolling Stones, por exemplo. Achas que chegará um dia em que o hip hop também lidará naturalmente com os seus veteranos?

P, –  Claro que terá que mudar. Quantos mais artistas continuarem independentemente da idade, maior será a aceitação. O LL Cool J disse exactamente isso muito recentemente, explicou que iria fazer 40 anos muito em breve, mas que adorava o rap e que não queria parar. E compreende-se: ele está em melhor forma que a maior parte dos rappers com 20 e poucos. Claro que o factor idade acaba por ser um dos jogos que a indústria impõe…

B.S. – Exacto. O que aconteceu foi que cada um destes géneros – o jazz, o rock e o hip hop também – tiveram as suas fases destrutivas. Os tipos do jazz envolveram-se com heroína, o rock passou a fase das drogas psicadélicas e mesmo o hip hop teve os seus problemas com o crack. Aprender a lidar com a idade é aprender a lidar com os sobreviventes de cada era.

E o hip hop começa a ter a sua dose de sobreviventes. Não há prazos de validade, portanto?

P. – Claro que não, mas se calhar a indústria tenta fazer-nos crer que sim. Tem a ver com o facto de querem fazer dos mais novos um “target” massivo das suas estratégias de vendas. E por alguma razão eles acham que os mais jovens não se conseguem identificar com rappers mais velhos. O que é uma palermice. Os miúdos vão identificar-se com o que tiveres para lhes dizer, não com a data da tua certidão de nascimento.

Ok, então acham que vai chegar um dia em que esta geração actual vai a Las Vegas ver um 50 Cent de 60 anos a actuar num casino?

P. – Porque não? Para mim, fazer hip hop não implica ter que ter uma certa idade. Não se cresce para lá do hip hop, cresce-se com o hip hop. Por isso não percebo muito bem os rappers que anunciam a sua reforma. Se puseres o “Eric B is President” a tocar eu vou ficar maluco seja qual for a idade que tiver. A mesma coisa com certos discos dos Gang Starr. Slick Rick… Eu vou fazer um espectáculo com o Slick Rick em Abril. Serei eu, o Slick Rick, o Ghostface Killah e o Papoose, um jovem artista que está a ganhar nome em Nova Iorque. Vê só como várias gerações podem conviver no mesmo palco. O hip hop não tem idade, acredita em mim.


 

 

*Texto originalmente publicado na Blitz, em 2006.

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