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Publicado a: 07/03/2018

DJ Overule: “Eu quis que o disco englobasse a grande maioria dos estilos que gosto de passar nas minhas actuações”

Publicado a: 07/03/2018

[TEXTO] Gonçalo Oliveira [FOTOS] Hélder White

O Rimas e Batidas encontrou-se com DJ Overule, aproveitando uma das suas passagens por Lisboa. O DJ e produtor esteve em destaque no ano passado pela edição do seu disco de estreia e pela vitória nos EMAs.

Um ano de sonho para um dos artistas com mais história dentro do panorama nacional do hip hop. DJ Overule leva já cerca de 20 anos de carreira: é dono de um percurso interessante que o ligou a nomes como Mundo Segundo, Matozoo ou Expensive Soul. Habituado à estrada, percorre anualmente Portugal de norte a sul e carimbou no seu passaporte algumas passagens pelos Estados Unidos da América, França ou Alemanha.

No currículo de Bruno Castro faltava apenas uma grande distinção e um álbum. 2017 serviu esse propósito: na última gala dos MTV EMA, DJ Overule foi distinguido com o prémio Best Portuguese Act. Em Dezembro passado, fez nascer o primeiro grande fruto do seu lado enquanto produtor — It’s Not Over foi um encontro entre pesos-pesados, com Virgul, Wet Bed Gang, GROGNation, Fábia Maia, Pedro Pode, Ninja Kore ou RIOT a alinhar com Overule nos 13 temas do disco.

Parámos pelo Parque das Nações para tomar uma bebida no The Fifties, um “diner” rockabilly com ligações ao hip hop, tendo servido de pano de fundo para o vídeo de “Pormenores”, de Bispo e Sam The Kid. A fuga à chuva proporcionou uma conversa longa com o DJ e produtor, que nos falou sobre estes 20 anos atrás do gira-discos e as suas mais recentes conquistas.

 



Na primeira vez que noticiámos o teu projecto reparei num pequeno detalhe. Disseste-nos que levavas 13 anos no activo. Na verdade, até tens mais do que isso…

Isso tem uma lógica. Quando falo em 13 anos falo deles enquanto profissional.

Ou seja, a partir do momento em que começaste a viver da música?

Isso. Mas já toco há mais anos, sei lá, desde os meus 16, já quase há 20 anos.

Começaste em grupos: nos 7PM e nos Feed.

7PM eram um grupo de hip hop da Maia. Nos Feed não era hip hop, éramos uma banda de funk e aí já assumia quase aquela função de DJ e músico. Ganhámos o Termómetro Unplugged em ’97 ou ’98… Eu até acho que não chegou a sair nada meu com eles em disco. Era mais uma banda para tocar ao vivo, nem participei nos discos.

Depois desses projectos de menor expressão dentro do hip hop, cruzaste-te com os Matozoo, Mundo Segundo, Expensive Soul…

Participei na compilação Roka Forte do Mundo Segundo. Fiz até muitas coisas que nem chegaram a sair. Na altura o hip hop no Porto era resumido a um núcleo de malta — de Matozinhos, Gaia, Porto, Maia — e toda a gente se conhecia e se cruzava naquelas festas do Hard Club, que era uma espécie de Meca do hip hop. Como éramos todos amigos e conhecidos colaborávamos. Nessa altura, especialmente na área do hip hop, foi uma época em que fiz muita coisa.

 


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Agora assumes-te em nome próprio — és tu quem escolhe os convidados para o disco. Quando era o contrário, nessas alturas em que eras tu o convidado, houve algum projecto que te tenha marcado mais?

Todos eles foram especiais. Se calhar vou destacar o trabalho que fiz com a tal banda de funk, os Feed, porque me fez crescer como músico. Fiquei a conhecer um lado diferente, que me deu a conhecer outros estilos de música, a andar na estrada… Aprendi muito com isso. Isso fez-me crescer e olhar para a música em geral de uma maneira diferente. Nessa altura, eu basicamente só ouvia hip hop. Era muito fechado, nem era bom para mim. Estava a ser prejudicial. Por isso vou destacar essa experiência porque me ensinou e me fez crescer enquanto músico.

Há uma faixa em que tu participaste — “Vida Normal”, do Júnior — que foi um hino da TMN no início do milénio. Foi um sucesso a nível nacional porque passava na televisão, passava na rádio e, claro, ficava no ouvido. Como é que nasceu esse tema? Qual foi a tua contribuição na música?

Isso foi no seguimento de uma participação que eu tinha feito um pouco antes num álbum dos Expensive Soul, o Alma Cara. Eu fiz um scratch num dos temas e, nessa altura em que eu estava lá no estúdio, o New Max estava a produzir esse tema. Ele achava que ia ficar fixe aquilo ter um scratch e acabei por gravar ali umas coisas. Eles incluíram-me nos créditos da música. Apesar de eu já estar a produzir nessa altura foi o New Max quem construiu esse tema.

Foste o primeiro DJ português a ganhar o MTV Best Portuguese Act no ano passado. Já tinhas recebido alguma distinção no passado?

Ganhar [um prémio] não. Mas estou a lembrar-me de duas distinções. Não sei se te recordas de uma revista de música electrónica que era a Dance Club. Há uns valentes anos atrás eles faziam uma edição anual dedicada à escolha dos melhores DJs, produtores… Estive algumas vezes nomeado nesses prémios para melhor DJ, DJ revelação e melhor DJ de hip hop. Mais recentemente houve os Wave Awards. Não têm uma expressão muito forte mas é sempre bom ser distinguido e eles destacaram-me enquanto melhor DJ de bass music. No ano passado tive essa surpresa da MTV e só o facto de estar nomeado para mim foi surpreendente. Não estava nada à espera, muito menos de o ganhar. Nunca me havia passado pela cabeça. Eu estava em casa pronto para ver um filme, no meu relax, e o meu manager ligou-me a dizer aquilo e tive umas duas horas a processar essa informação — não acreditava mesmo. Foi muito bom. É óbvio que não trabalhamos em prol disso, mas sabe sempre bem ganhar um prémio desse tipo, especialmente quando é algo que é escolhido por votação do público.

 


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Para os teus sets ao vivo que tipo de material usas?

As minhas actuações têm como base o Serato. Ou seja, tenho dois gira-discos e uma mesa de mistura, já é um processamento digital. É como se fosse vinil e é mais prático. Escuso de andar com 50 discos atrás de mim como já andei há uns anos (risos). Acaba por ser mais fácil e as novas tecnologias já nos permitem fazer tanta coisa que não conseguias antigamente só com o gira-discos. Eu nunca fui casmurro. Há DJs que ainda dizem que o vinil é que é mas eu nunca fui assim. Sempre fui muito curioso em relação às novidades e ainda hoje quando sai uma mesa nova ou um controlador novo eu gosto de explorar. No fundo são ferramentas que até ajudam a nossa criatividade e a levar a nossa música ainda mais longe. Porque é que havemos de os estar a barrar?

Tendo em conta a tua vertente de produtor, também exploras esse lado mais live, ao nível de tocar ao vivo com recurso a controladores?

Não muito. Para já ainda é muito na base do misturar e de alguns apontamentos que eu uso de turntablism. Não se pode considerar um live act. Quero explorar mais isso no futuro. Foram agora anunciados uns controladores novos da Pioneer que conseguem fazer uma cena meio híbrida e que acaba por transformar o set num live act. Os meus sets vão passar mais por aí e isso vai ajudar a melhorar o espectáculo.

Para apresentar este álbum, tens em mente dar algum espectáculo inteiro em torno destes temas?

Não propriamente. O álbum foi mais pensado para ficar apenas no registo discográfico, não para ser apresentado como um todo ao vivo. Até porque a logística de reunir todos os convidados acaba por não ser muito fácil. Mesmo para gravar o disco não foi fácil. Essa até é uma das grandes dificuldades que nós, produtores, encontramos no processo de gravação de um álbum com vários convidados. No fundo isto acaba por ser mais uma compilação. Estes temas serviram mais para eu os poder incluir nos meus sets e até outros DJs as poderem usar também.

Todos os artistas que participam gravaram o tema contigo ou foi mais através do envio de ficheiros pela Internet?

Os nacionais quase todos. Só o Pedro Pode é que não. Foi gravado à distância — ele gravou no estúdio dele e depois enviou-me as vozes. Os restantes artistas nacionais estiveram comigo na gravação. Os internacionais já era mais complicado (risos). Era uma logística diferente. Mas, se puder, eu prefiro estar presente. É óbvio que posso dar sempre a minha direcção e opinião.

 


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Como é que te cruzaste com esses artistas? Já os conhecias? Convidaste-os porque os ouvias?

Alguns eu já conhecia. Por norma, eu quando faço um beat tenho sempre alguém que imagino para esse instrumental. É óbvio que não posso ter apenas um. Tenho de ter sempre três ou quatro diferentes que poderão trabalhar nesse beat. Porque lá está, às vezes nem sempre estão disponíveis ou não gostam daquele tema e não se imaginam nele. E sim, há alguns que não conhecia pessoalmente. São artistas que eu vou ouvindo e gosto e ficam registados na minha cabeça para possíveis colaborações.

Os internacionais foram da mesma forma?

Vêm da triagem que faço quando ouço música. Gosto da voz ou do estilo como cantam, do flow, whatever. Ficam também registados na minha base de dados como músicos com os quais quero trabalhar e foi tudo nesse seguimento.

Tens temas bastante dispersos nesse disco. Tinhas alguma sonoridade em mente quando compuseste as faixas?

Eu sei que há muito essa ideia de fazer um disco e criar um determinado conceito à sua volta. Ter uma linhagem, seguir uma ideia. Eu por acaso não fui por aí nem acho que iria, porque a minha ideia foi sempre olhar para o projecto como uma compilação, com vários estilos de música. O meu conceito foi perguntar a mim mesmo: “o que é que eu gosto de passar nos meus sets?” ou seja, “que viagem é que percorre o meu DJ set?” O disco foi um bocado ao encontro disso. Eu quis que o disco percorresse esse caminho, englobar a grande maioria dos estilos que eu gosto de passar nas minhas actuações. Hip hop, r&b, trap, future bass, drum and bass… Tudo sonoridades que podes ouvir nos meus sets e, por isso, acho que foi um disco bem conseguido. Não sei se volto a fazer outro álbum mas de certeza que voltarei a apostar no mesmo conceito com EPs de três ou quatro faixas, no futuro.

 


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No lado técnico do disco, contaste com a ajuda de algum músico ou produziste tudo sozinho no computador?

Maioritariamente através de software. O álbum tem faixas produzidas num programa que eu às vezes até me rio só de pensar nele, a maioria provavelmente nem sequer conhecer, parece muito arcaico. Chama-se Acid Pro.

É um software da Sony, certo?

Sim, fiz por lá muita coisa. Eu conseguia fazer coisas com aquilo que a maior parte as pessoas faz no Ableton ou no Logic. Parece muito básico mas eu conseguia fazer muita coisa, acho que espremi aquilo muito bem. Entretanto foram-me apresentados outros programas — experimentei de tudo — e não me ambientei com nenhum. Até que me cruzei com um software novo, o Studio One, que foi desenhado precisamente por engenheiros que trabalharam com a Sony no Acid, que saíram do projecto e criaram uma empresa nova que está por detrás desse programa. Segundo a história que eu li, eles estiveram quatro anos a analisar os defeitos do Ableton, Logic e Fruity Loops e decidiram criar algo novo com esses defeitos todos resolvidos e ainda acrescentar umas ferramentas extra. Decidi experimentar durante duas ou três semanas e fiquei completamente rendido. Três ou quatro temas do álbum já foram produzidos nesse software.

Já lá vão dois/três meses desde a saída do disco. Que feedback tens tido do público?

Tem sido bom, dentro do que eu estava à espera. Há um ou outro tema que sobressaiu mais, dentro daqueles mais hip hop. Fiquei contente com a recepção do meu último single, com o Pedro Pode, o tema future bass do disco. Especialmente por parte dos meios de comunicação. A Antena 3 tem dado destaque ao tema, ficou em número um no top da rádio. Foi uma das faixas que eu fiz que provavelmente foi mais ao encontro da minha ideia inicial para o resultado final. Acho que foi o que saiu melhor, nesse sentido. E não era um tema que eu podia olhar para ele do tipo, “isto vai bater em determinada circunstância”. Não. Fi-lo porque adoro, é uma onda que eu curto muito e não ligo ao que as pessoas vão achar. O pessoal mais do hip hop pode não ter gostado por ser uma faixa mais melódica, mais cantada, mas não me preocupei muito com isso. O feedback foi óptimo porque foi além daquilo que eu esperava.

 


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