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Publicado a: 06/06/2017

Death Grips: o lado punk da era digital

Publicado a: 06/06/2017

[TEXTO] Gonçalo Oliveira [FOTO] Direitos Reservados

O punk não está morto. A frase que serviu de mote para a estreia dos The Exploited nunca fez tanto sentido como agora. É verdade que um género musical nunca morre mas, por vezes, eclipsa-se dos holofotes do mediatismo e quase não damos por ele. O punk é, claramente, um desses exemplos. Nasceu na década de 70 e serviu para despertar todo um movimento jovial, sedento de revolução e mudança face aos padrões que a sociedade impunha naquela altura. Foi a época em que a música se despiu de regras: qualquer pessoa que quisesse pegar numa guitarra e entoar palavras de protesto ou de puro niilismo, tinha no punk o veículo perfeito para transportar toda essa mensagem. Não era necessário perceber de escalas, saber cantar ou tocar o instrumento. “Atitude” era a palavra-chave.

A cultura hip hop, embora tenha nas suas raízes espectros sónicos bastante distintos daqueles que originaram o punk, acaba por também assentar bastante nesse pilar. Do it yourself. Não interessa esperar pela oportunidade, interessa fazer por criar essa oportunidade. Era este o mantra que ambos os géneros tentavam materializar ao longo da sua história. Mas embora exista essa ligação ao nível do espírito e da força motivacional, o punk e o hip hop não se cruzavam, no que ao som diz respeito. Pelo menos de forma tão directa e clara como agora (sim, estamos a pensar nos Public Enemy e sim também nos lembramos dos Beastie Boys…).

 



Os Death Grips vieram preencher essa lacuna, e dar um novo sentido à frase “punk is not dead” para a época em que nos encontramos. As bandas de punk não acabaram, mas o repertório e o registo em que se encontram não evoluiu muito desde a sua explosão mediática. Era necessário adaptar o conceito a uma sonoridade mais actual e apetecível para o século em que vivemos. A distorção tinha de passar de analógica a digital. A falta de competência face a um instrumento musical transformar-se-ia em samples rasgados, sobrepostos com cuspo, resultado de um bruto processo em que o produtor leva horas a fio fechado em laboratório a quebrar à força todas as leis que a ciência da música nos impõe.

Stefan Burnett aka MC Ride, Zach Hill e Andy Morin formaram o trio que viria desbravar todo esse caminho. Os Death Grips nasceram em Sacramento, na Califórnia, quando decorria o ano de 2010. “Full Moon (Death Classic)” foi o primeiro tema de sempre da banda, editado em conjunto com um EP homónimo, cujas 6 faixas viriam depois a integrar a mixtape de estreia Ex Military. O projecto foi lançado enquanto download gratuito e rapidamente conquistou o coração das principais publicações musicais que, ao longo de 2011, foram tecendo rasgados elogios ao conceito apresentado pelo grupo. Como é habitual, a Internet reagiu: o surgimento de uma espécie de culto em torno da banda foi inevitável, alimentado pelas suas escassas aparições. E ainda por cima só o baterista Zach Hill era conhecido, o que só contribuía para aura de mistério dos Death Grips.

 



O burburinho em torno dos Death Grips colocou-os no radar da Epic, que rapidamente assinou um contrato com o grupo que resultou num curto casamento. The Money Store foi o único trabalho pelo trio na Epic, dado que o selo editorial não estava preparado para o alucinante ritmo criativo a que os Death Grips apresentam novos temas. Meses após o álbum de estreia, a banda tinha já arranjado um sucessor que a editora apenas planeava lançar no ano seguinte. Por sentirem que a Epic não respeitava a velocidade avassaladora com que os músicos criavam, No Love Deep Web foi editado, também em 2012, através de uma manobra que simulava um leak. O segundo álbum da banda teve ainda uma plataforma de distribuição bastante vantajosa. Em parceria com vários sites de download de torrents, No Love Deep Web chegou mesmo a figurar no topo da “Lista de Música Descarregada Legalmente” do Bit Torrent com mais de 30 milhões de downloads.

Os registos audiovisuais dos Death Grips também têm um formato muito singular. O ruído passa da música para a imagem, que resulta numa filmagem lo-fi alternativa e minimal. Uma combinação entre gravações simples processadas e saturadas por efeitos que atribuem movimento ao objecto final. “Full Moon (Death Classic)”, “Guillotine”, “Beware” ou “Fever (Aye Aye)” abriram alas a todo um novo, poderoso e simples conceito no que a videoclipes diz respeito. MC Ride serve de figura principal numa viagem quase psicadélica de ruídos visuais e distorção de imagens, que acompanham a brutalidade das suas palavras.

 



Ao vivo, a banda transporta para o palco um roster bastante peculiar. Podem estar presentes 1, 2 ou os 3 músicos, embora a formação mais habitual seja o combo entre Stefan Burnett na voz e Zach Hill na bateria. O instrumental toca em pano de fundo, com Hill a disparar rudimentos nos três tambores que compõem o seu instrumento: tarola seca, bombo e timbalão de chão. Ride lidera o motim num espectáculo que combina agressividade com alucinantes shows de luzes e muita adrenalina e suor.

De 2013 em diante, os Death Grips editaram mais de 10 projectos entre álbuns, compilações e EPs. Lançaram o próprio selo editorial, Third Worlds, simularam o final da banda e até deram um concerto em que Zach tocou bateria via Skype. Hill e Morin têm ainda um projecto em paralelo em que assinam enquanto The I.L.Y’s. Estrearam-se em 2015 com I’ve Always Been Good At True Love e já deram sinais de vida este ano com Bodyguard.

Também os Death Grips já se fizeram ouvir em 2017. Apesar de terem anunciado que o próximo álbum vem a caminho, o seu veloz ritmo de trabalho permitiu-lhes editar Steroids (Crouching Tiger Hidden Gabber Megamix), um projecto que certamente terá destaque no alinhamento que se preparam para apresentar no NOS Primavera Sound, no Porto. Outro dos projectos em destaque será também Bottomless Pit, o longa-duração que editaram no ano passado.

Um desafio para os fãs de rap, rock, punk ou metal: alinham num moche no Parque da Cidade?

 


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