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Publicado a: 31/03/2017

Damani Van Dunem: “Quando o pessoal rema para um lado, eu vou para o outro. É assim que me sinto confortável a fazer música.”

Publicado a: 31/03/2017


[ENTREVISTA] Hugo Jorge [FOTOS] Hélder White [VÍDEO] Luís Almeida

Ouvir Damani Van Dunem é fazer uma pequena viagem ao passado e recuperar um hip hop melódico e com storytelling. Este registo foi (bem) preservado num par de discos – Mutatis Mutandis (2007) e Statu Quo (2011) – e é, ao mesmo tempo, uma forma de reclamar identidade própria.

Blu-Ray, o álbum que se segue, está pronto desde 2011 e será lançado em breve, encerrando uma trilogia que, em certa medida, é biográfica: a passagem do DVD, iniciais do seu nome, para o Blu-Ray, a qualidade máxima. Ainda antes do terceiro disco, há música nova por lançar, em formato de EP, no Blu-Ray Season. O trabalho tem produção de Ell Puto, Elzo Sénior e J-Cool e já está cá fora.

O ReB foi encontrar Damani Van Dunem no Ground Zero, um pequeno estúdio de Chelas escondido entre armazéns de produtos chineses.

 


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O Blu-Ray está a ser um disco com dores de parto. Devia ter saído em 2016, acabou sendo adiado para este ano e agora assume um novo formato. Podes explicar-nos o que aconteceu?

Na verdade o Blu-Ray começou por ter de sair em 2011, está pronto desde essa altura, mas por que aconteceram várias coisas, atrasos na entrega de pistas e outros projectos que apareceram pelo meio, fui adiando o disco. Agora, depois do projecto Muzumbo, decidir editar o Blu-Ray em 2016, finalmente. E comecei com uma série de músicas promocionais. Só que, em conversa com algumas pessoas que estavam no processo, decidi esperar um bocado e pegar nessas músicas, que estavam a ser as promocionais, e compilá-las num EP. Então, a ideia é em Março lançar o EP Blu-Ray Season para free download e depois o álbum oficial, o Blu-Ray.

E é exactamente o mesmo trabalho de 2011 ou foi alterado ao longo do tempo?

Há dois beats que foram mudados porque não recebia as pistas e então tive que utilizar outros. Fora isso, as outras músicas não foram regravadas. Estão como originalmente foram gravadas.

 


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Estás a lançar dois trabalhos praticamente seguidos mas feitos em alturas completamente diferentes. Imagino que se vão notar diferenças.

O registo é um bocado diferente porque o Blu-Ray foi feito com um conceito sonoro diferente, é uma cena um pouco mais espacial, enquanto que as músicas do Blu-Ray Season foram feitas consoante a necessidade que tinha. Eram gravadas semanalmente. Apetecia-me falar sobre uma coisa, escrevia, gravava. Apetecia-me falar sobre outra coisa… ’tás a ver? E fui montando as coisas assim. Também são diferentes, até porque, de 2011 até agora, aconteceu muita coisa na minha vida.

A ideia original para o Blu-Ray era inseri-lo como parte de uma trilogia. Fala-nos um pouco desse conceito.

O Mutatis Mutandis (2007) é na verdade a concretização de uma tentativa falhada. Antes desse álbum comecei a fazer um outro que não funcionou: tipo, não era aquilo que eu queria como fim. Então, quando comecei a fazer o Mutatis Mutandis já sabia o que tinha falhado e trabalhei a coisa de forma diferente. A ideia era não repetir a fórmula sonora dos álbuns e ir gravando tendo em conta a conjuntura em que eu estivesse na altura. O segundo álbum, Statu Quo (2011), significa “estado actual das coisas” e é outro título em latim. E o terceiro, o Blu-Ray, significa, no fundo, a evolução do DVD [iniciais de Damani Van Dunem] para o Blu-Ray. Infelizmente o disco não saiu na altura que devia sair. Mas, estamos aqui, o disco continua actualizado e vai sair.

 


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Do DVD para o Blu-Ray. É uma analogia para a tua evolução como artista?

Na altura do primeiro álbum viviam-se tempos em Portugal em que os discos que saíam tinham uma sonoridade muito mais dura, muito mais de rua. E eu trouxe a minha cena assim, como ela é. Não fiquei muito preocupado com o que as pessoas iam achar se eu fizesse um disco diferente. Então, no segundo álbum, fui cimentando essa minha maneira de estar no rap e no terceiro decidi que, pronto, consegui chegar onde queria e este é o álbum que eu quero. Se tivesse saído mais cedo, se calhar o pessoal ia estranhar. Sinto que, até hoje, os beats continuam actualizados. É uma onda totalmente diferente do que se faz no panorama geral do hip hop. Contudo, actualizada.

Estás em contra-corrente com modas e tendências?

Exactamente. Como sempre gostei de estar. Quando o pessoal rema para um lado, eu vou para o outro. É assim que me sinto confortável a fazer música.

Nos teus discos, trabalhas com rappers angolanos e moçambicanos. É, também, uma forma de promovê-los e dar-lhes um espaço para aparecerem?

Também. Primeiro porque comecei a gostar de rap em Moçambique. Fui viver para lá quando tinha 13 anos, foi onde aprendi a rappar e muitas das pessoas com quem trabalho ainda hoje são as que começaram comigo. São pessoas que ainda continuam a fazer rap, trabalham com artistas moçambicanos e não só. E, uma vez mais, para distanciar-me da maneira de fazer rap. Enquanto a maior parte das pessoas trabalha com “X” e “Y” produtores, eu vou buscar produtores com a mesma qualidade, ou superior, mas que as pessoas não conhecem. Vou cimentando uma sonoridade diferente. Tu quando ouves uma coisa minha consegues dizer “pá, isto parece-me o Damani”. Isso foi uma coisa pela qual lutei ao longo dos anos: uma característica para o meu som.

 


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O facto de trabalhares um disco em dois ambientes tão distintos (Angola e Portugal) enriquece o teu processo criativo, ou algo se perde pelo meio?

Acho que enriquece porque estou sempre à procura dessas coisas, de não me tornar monótono, igual. Vou sempre procurando coisas novas. Posso fazer a coisa mais triste e sombria e amanhã fazer uma música mais alegre. Isso é para as pessoas conseguirem perceber que a vida, ou o artista rap, não tem de ser só uma coisa, mas que as pessoas são feitas de várias coisas, um misto de emoções. Então, tento ir buscar essas coisas todas. Para mim seria horrível ser rotulado como um artista “X”.

Há uma ideia sobre a qual gostaria de ouvir-te. A lusofonia como um espaço cultural – existe e é suficientemente promovida, ou é uma ideia falsa?

É uma ideia falsa. Essa ponte… (suspiro) podia ser percorrida de outra maneira. Quantos artistas de Angola realmente se conhece cá? E quantos artistas portugueses são conhecidos em Angola, Moçambique, ou Cabo Verde? Acho que podia e devia fazer-se muito mais em relação a isso, criar essa ponte para aproximar os países todos. Acontece-me estar a falar com pessoas e dizerem-me “mas tu és de Angola? Pô, não sabia”. Pode fazer-se ainda muita coisa porque o mercado está virgem.

E que lugar assume o hip-hop nessa ponte? Lugar de destaque?

Acho que sim porque o hip hop fala directamente com o povo e o povo com o hip hop. É uma cultura que é crua, não tem filtros, é como é. Uma das maneiras mais fáceis de se conhecer um país é através do rap que os seus artistas fazem. Era também uma forma muita boa de promovermos a língua, primeiro, e os países também.

Vamos recuar um bocado no tempo e falar do “Papão” o single que te tornou famoso. Na faixa “Acto II”, do Statu Quo, lamentas a falta de reconhecimento que a música teve em Portugal. Estou a ser justo?

Sim, na verdade é uma crítica à estrutura onde trabalhava. Não tem nada que ver com as pessoas que consumiram, até porque foi uma música muito, muito bem recebida. O problema é que podiam ter sido feitas outras coisas, coisas maiores, e não aconteceram por causa da cegueira das pessoas com quem trabalhava. Então isso incomodou-me bastante, porque as coisas poderiam ter sido diferentes na verdade.

 


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Foi por isso que adoptaste um registo menos comercial no segundo trabalho?

Também foi por isso. Na altura, infelizmente para mim, o “Papão” engoliu o álbum. Tenho músicas do Mutatis Mutandis que vou cantando em concertos e perguntam-me “isso vai sair no teu próximo álbum?” (risos). As pessoas punham o “Papão” no play e ficavam ali. No Statu Quo, abandonei a ideia de fazer um single maior.

O apelido Van Dunem vem de uma das famílias mais influentes de Angola. Nasceste num contexto favorável, mas apesar disso tens um olhar muito critico em relação à realidade.

As pessoas que têm a força para mudar as coisas são as pessoas que têm poder e que estão bem relacionadas. Imagina alguém que não esteja na minha posição e queira dizer alguma coisa. Os ouvidos de quem pode, de facto, mudar alguma coisa fecham-se. Quando sou eu a dizer as coisas é um bocadinho diferente. Tu perguntas-me “porquê eu?” e eu respondo-te “porque não eu?”.

Não seria mais fácil fechares os olhos e rappares sobre outras coisas?

Não sei se seria mais fácil. Para mim, pelo menos, não, porque eu sei que muitas das coisas estão erradas. Fui educado de uma maneira, o que está errado precisa de ser corrigido, ser mudado. É só veres o título do meu primeiro álbum “mudando o que dever ser mudado”. Ainda que tenha privilégios, é importante também usar esses privilégios para ajudar os outros. Imagina uma pequena percentagem da população que vive com tudo e outra, a maior parte, a viver como se vive em países africanos e não só. Quando a maioria das pessoas se fartar é muito fácil derrubar quem está lá em cima. É uma ideia falsa achar que se tem o controlo das coisas. É só uma chama e as coisas mudam.

 


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