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Publicado a: 24/03/2018

Caparica Primavera Surf Fest – Dia 2: Slow J e a arte de saber partir a casa toda

Publicado a: 24/03/2018

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTOS] Hélder White

Haverá instrumento neste mundo capaz de medir a ambição artística de Slow J?

Enquanto o leitor pensa na resposta e procura na Internet uma espécie de barómetro que consiga tal profecia, permita-se uma viagem através do concerto de João Batista Coelho, nome que figura na cédula de nascimento do artista em questão, ontem, na segunda noite do festival Caparica Primavera Surf Fest 2018.

Tudo começa com “Arte”, a segunda canção de The Art of Slowing Down, álbum que, no decorrer do ano passado, deixou rendidos crítica e público em geral. Slow J entra em palco, de guitarra eléctrica à tiracolo, serve os primeiros versos, enquanto trata de marcar o ritmo, e, a dada altura, quando a música assim o pede, é prontamente auxiliado pelos suspeitos do costume que o acompanham ao vivo (de salientar o papel que Fred Ferreira, o homem da bateria, desempenha nesta trama, garantindo uma dinâmica fundamental a toda a base que sustenta as palavras do rapper). O público vibra (malta jovem, na sua esmagadora maioria) e não deixa rima por cantar.

 


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Segue-se “Casa”, talvez uma das músicas do álbum que melhor espelha a ausência de barreiras no seu vasto imaginário. O ritmo semba rapidamente contagia os presentes, que se apressam a ensaiar um passo de dança aqui e ali (afinal de contas, esta é a casa onde pode entrar e dançar “quem quer”), e abre o caminho para “Comida”, canção que explora uma base de piano e bateria com contornos boom bap que nos transportam para uma era bem específica da cultura (até nisto a obra de Slow J se revela bastante perspicaz, contrabalançando o passado com o presente e o clássico com o contemporâneo).

O primeiro ponto de ebulição chega com “Sonhei Para Dentro”, mais precisamente com a frase “ma nigga eu tou no grind vinte e quatro sete” e com o poderoso vendaval de bombos, tarolas e choques. A aceitação é mais que muita no seio da plateia, que responde com braços no ar e mímica a condizer. “Às Vezes” devolve a calma ao concerto, naquela que é, muito provavelmente, a canção mais profunda e intimista de The Art of Slowing Down. Infelizmente, Nerve não apareceu para cantar a sua parte, mas foi, todavia, substituído pelo anfitrião da noite que tratou de sobrepor a sua voz à gravação do rapper lisboeta. E o break de bateria final, aquele que remata com mestria a música? Reproduzido na perfeição por Fred Ferreira.

Até ao final do concerto há ainda tempo para ouvir “Biza”, “Cristalina”, “Sado” e “Imbecis”, tema do álbum a solo de Papillon – o rapper dos GROGNation que tem por hábito marcar presença nos concertos de Slow J, mostrou aos presentes, numa interpretação imaculada, a razão pela qual este trabalho é visto como um dos mais auspiciosos do ano. Não obstante, é em “Pagar as Contas” (que juntou em palco o cabeça de cartaz da noite, Papillon e Gson, dos Wet Bed Gang) e “Vida Boa” que a actuação atingiu o seu ponto máximo. A primeira, num exímio exercício lírico por parte dos três rappers, a segunda (que chegou, inclusive, a ser tocada duas vezes) numa celebração em conjunto com o público, que transformou o imponente iglô plantado à beira-mar numa gigantesca central de energia humana.

Nos seus concertos, Slow J não se limita a chegar e entregar meia dúzia de músicas para cumprir calendário. A ambição do artista sadino faz com que as suas actuações sejam – para além de personalizadas – singulares. Nem que para isso seja necessário deixar um pulmão em palco. João Batista Coelho não se contenta com o simples e básico. Ofereçam-lhe o mundo, ele irá querer sempre mais do que isso.

 


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Momentos antes, neste mesmo espaço, Mishlawi serviu um espectáculo bastante competente, também ele secundado por uma banda que, apesar da sublinhada experiência na matéria, precisa afinar o seu motor dinâmico. “Limbo”, “Always on My Mind” e “Ignore” foram algumas das músicas interpretadas perante uma legião de fãs que mostrou saber as letras do rapper norte-americano na ponta da língua. O talento está lá todo, a versatilidade vocal também, porém, Mishlawi precisa (mais do que um trabalho de longa duração) de encontrar uma identidade própria que o afaste de toda paisagem drakeana que, inevitavelmente, ainda o acompanha. Nada que o tempo não resolva.

 


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