Pontos-de-Vista

Alexandre Ribeiro

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good kid, m.A.A.d city foi lançado no dia 22 de Outubro de 2012. O álbum marcou a passagem oficial do artista de Compton para a primeira liga do hip hop norte-americano.

O bom rapaz que quis fazer um clássico

O que é o “bem”? O que é o “mal”? O que é o “certo”? O que é o “errado”? Em Mindhunter, nova série da Netflix, existe um estudo aprofundado dos criminosos mais perigosos dos Estados Unidos da América – Ed Kemper, Monte Rissel ou Jerome Brudos na primeira temporada – e o interesse principal reside nas entrevistas que os agentes especiais do FBI, Holden Ford e Bill Tench, fazem aos “monstros”, tentando perceber, sem preconceito, a forma como as perguntas enumeradas no início deste texto encontram respostas nas mentes dos prisioneiros. 

A ligação com Kendrick Lamar pode não parecer óbvia – pelo que sabemos, o pequeno génio só “assassina” instrumentais e os egos de um ou outro “contender” –, mas existe: a linha de pensamento é consideravelmente diferente do comum na sua área e merece ser estudada e dissecada para que a possamos entender o melhor possível. O caos, o foco e a loucura. O MC partilha isto, de uma forma bastante saudável e sã, atenção, com os casos de estudo da obra criada por Joe Penhall. Um artista que, tal como todos aqueles que partilham da mesma estirpe, desmonta, contorna, subverte e destrói as regras que lhe foram impostas. É criação pura e genuína. Se olharmos para toda a sua obra, o rapper da TDE é tão pop como Drake ou Michael Jackson e tão jazz quanto Kamasi Washington ou John Coltrane. Ele vive e respira o passado e o futuro ao mesmo tempo.



O quinto aniversário de good kid, m.A.A.d city permite-nos lançar uma questão importantíssima para a mesa: estamos perante um clássico? Claro que sim. Como um bom vintage, as músicas ganharam com o passar do tempo e estão cada vez melhores e recomendam-se. O primeiro teste de longevidade foi ultrapassado com distinção. Alguns dias depois do lançamento, K-Dot dizia o seguinte em declarações à publicação Hip Hop Wired“Merece o estatuto de clássico, sabes? Mas tem que enfrentar o tempo e deixar que os anos se acumulem em cima. Para já tem potencial de clássico e as pessoas hão-de olhar para trás e dizer ‘o primeiro álbum do Kendrick conseguiu mesmo, mesmo, mesmo ultrapassar tudo o resto e tornar-se um clássico’. Atirei-me a ele com a intenção de o tornar num clássico, por isso fico satisfeito que toda a gente esteja a referir isso agora”.

Em termos de produção, o apelo mainstream de “Bitch Don’t Kill My Vibe”, “Backseat Freestyle”, “Money Trees”, “Poetic Justice”, “Swimming Pools” ou “m.A.A.d City” não atrapalha o ambiente trip hop – um pouco mais rápido do que é costume no género – de “The Art of Peer Pressure” ou o swing “quente” – arriscamos até a sugerir “brasileiro” – de “Real”. A capacidade de organizar nomes como Pharrell Williams, DJ Dahi ou Terrace Martin na construção de um universo tão plural só é possível com um maestro dotado. Neste capítulo, Kanye West, outro “monstro”, é o único nome próximo de Kendrick, apesar de não possuir o “pen game” do MC de Compton. E isto é o melhor elogio que se pode fazer a alguém.



E a narrativa? Tal como filmes como Dunkirk, Memento, Pulp Fiction, Eternal Sunshine of the Spotless Mind ou Arrival, a “curta-metragem” ocorre numa linha não linear, pelo menos na ordem que Lamar colocou no alinhamento – vejam o guia extenso da Noisey com as várias maneiras possíveis de ouvir o disco. É o caos “organizado”, uma lógica distorcida, um reflexo real do que é a passagem do ser humano pela “vida”. DAMN., o seu mais recente trabalho, é uma variação dessa mesma fórmula, um “livro” que se pode ler da frente para trás e de trás para frente.

A primeira obra-prima de Kendrick  – até porque Section.80 foi apenas um “ensaio” – é, tal como Illmatic (sim, permitam-nos trazer um dos melhores discos de sempre para esta discussão) um conjunto de faixas criadas com um propósito: expôr um mundo negro e retorcido com experiência de campo. Os 20 anos de Nas e os 25 anos de Kendrick Lamar possibilitaram a transmissão de uma série de ideias sobre o universo que os rodeava – sujo, complexo e duro – através de um olhar irreverente, mas também maduro, algo que só deveria chegar mais tarde na vida. Uma amostra disso é a quarta faixa de good kid, m.A.A.d City: “The Art of Peer Pressure” está perto da perfeição, um portento de escrita que descreve a pressão social dos amigos com entrega e sobriedade inabaláveis.



Ao contrário de muitos dos seus contemporâneos, Kendrick Duckworth conseguiu, em 2012, criar uma obra moderna ou seja, que soa a essa época e é um reflexo do que se fazia na altura, com uma ambição tão grande quanto o seu talento, e, sobretudo, com a capacidade de aguentar o embate do futuro, estabelecendo novos paradigmas e elevando definitivamente a fasquia.

No fim, não sabemos se o rapaz foi realmente “bom”, mas acreditamos piamente que, dadas as circunstâncias complexas que o rodeiam e que tão bem são descritas no álbum, tentou ser o melhor que lhe foi permitido. E isso deveria bastar, não?


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