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Publicado a: 28/06/2017

BNegão Bota Som: Informação Dançante desde 1998

Publicado a: 28/06/2017

[TEXTO] Núria R. Pinto [FOTO] Direitos Reservados 

BNegão é uma figura incontornável da música brasileira. E dizemos música porque não dá para incluir o trabalho de Bernardo Santos num só género musical: o músico de 44 anos fundou os The Funk Fuckers, tornou-se conhecido por fazer parte dos Planet Hemp como letrista e vocalista, grupo em que dividia o palco com o não menos conhecido do público português, Marcelo D2, e em 2001, viria a formar BNegão & Seletores de Frequência.

Falamos dos projectos que beneficiaram de maior notoriedade, é claro, pois para trás ficam ainda os Perfeição Nenhuma Small Band e Engenharia de Som Ltda., no espectro punk e electrónica, Juliete, projecto de música brasileira com funk, rock e ragga ou os The Missed in Action, onde o rock, o punk, o heavy-metal e o funk ganharam expressão.

Enquanto colaborador, produtor ou co-criador, cruzou-se com Sepultura, com o co-inventor do afrobeat e baterista Tony Allen, o rapper californiano Del The Funky Homosapien, a cantora paulista Tulipa Ruiz e tantos outros nomes que, por si só, caberiam num artigo exclusivamente focado na sua multiplicidade de horizontes musicais.

 



Do rap ao funk, soul, dub, reggae e passando pelo hardcore, cabe de tudo na longa carreira do rapper do Rio de Janeiro que tem, ainda, na espiritualidade e no movimento social, dois dos seus mais importantes pilares de existência. A sua evolução enquanto artista tem sido feita a percorrer esse mesmo caminho: o da música consciente, reflectiva e inclusiva a ambos os níveis, lírico e instrumental.

Passeava pelas ruas de Barcelona enquanto falava, numa conversa curta mas de uma boa disposição contagiante, ao Rimas e Batidas. Na noite de quinta-feira, chega ao Musicbox para passar música, ou como se diz no Brasil, discotecar, ao ritmo dos sons que fazem mexer o Brasil de 2017. Rui Miguel Abreu e DJ Satélite são os nomes que se juntam à festa no Cais do Sodré.

Como diz o próprio, “é informação dançante”!

 



Não é a tua primeira vez em Portugal: para além do concerto do ano passado no FMM, com Seletores de Frequência, houve também um episódio que envolveu os Public Enemy, em 2003…

Foi demais esse negócio com o Public Enemy! Eu estava me preparando para lançar o Enxugando Gelo, estava com ele em CD-R, tinha acabado de masterizar e levámos para a viagem para ouvir. Eu tinha ficado felizaço com a possibilidade de tocar no mesmo festival que o Public Enemy, que é a minha influência maior de todas, dentro do rap. É o que me fez sair de casa para fazer música! E eu já tinha ouvido rap p’ra caramba na minha vida, mas nunca tinha ouvido nada parecido com isso… Tinha uma K7 com o disco mais clássico, o It Takes a Nation [Of Millions To Hold Us Back], e deu no que deu… Muita da força da parada está ali naquele trabalho deles! Quando eu soube que a gente ia tocar no mesmo festival que eles, eu fiquei logo emocionado e falei com a galera para esticar a presença em Portugal ao máximo para poder ver o show deles, de qualquer jeito…

Então ficou uma relação com Portugal muito importante…

É brutal, totalmente importante! Eu estava com o Henrique Amaro, se não me engano, ele estava entrevistando o Chuck D e aí, quando eu passei, eu falei, “Caralho, o Chuck D!”, falei p’ro Henrique, “Chama o cara aí, rapidinho!”.

Depois falei que estava tocando no festival com minha banda, como eles eram fundamentais p’ra gente, contei toda essa história rapidinho e dei um disco p’ra ele: “Quando você puder, alguma hora dessas, você ouve ou pode jogar fora, fica tranquilo!” (Risos) Isso era de tarde. Eu fui p’ro hotel, fiz o que tinha que fazer, voltamos lá de noite na hora que estava tendo o show do Tricky, logo antes do Public Enemy… e aí o Chuck D veio conversar! Estava eu e o Rafael (Crespo) que fala inglês e eu não falava, entendia mais do que falava! (Risos)

E não sei como, o cara me chamou para cantar “Fight The Power”. Cantei com eles em português, sacou? O primeiro show deles em Portugal foi, tipo, uma loucura, um momento da vida! Eu nem lembro o que eu cantei, me lembro que eu fiquei mais gritando do que outra coisa, mas foi! (Risos)

Dos Public Enemy para Jorge Ben… Seu tio tocava com ele, não era?

Meu tio era o J. T. Meirelles, considerado um dos percursores do samba-jazz! Ele tocava no Beco das Garrafas, também, a banda dele era o Eumir Deodato, Edison Machado… E ele foi o cara que produziu os três primeiros discos do Jorge Ben. Era maestro da banda e tocava saxofone. Só tem eu e ele na família, de músicos! (Risos)

A primeira coisa que surgiu na minha cabeça quando escutei o teu último trabalho com Seletores (de Frequência) foi: “Tim Maia”. Não só pelo foco funk, já que vocês têm uma grande mistura que vai além disso e inclui o dub, reggae, rap, mas também pela vibe e essa grande vertente espiritual e política…

Isso é tipo a missão de Seletores (de Frequência), sacou? Mesmo nos trabalhos que eu tive antes, tudo o que fiz, não cabia em lugar nenhum. E a missão foi essa, falar desses temas espirituais e questões sociais na minha missão, sacou? Os três discos são por aí: algumas músicas mais que outras, mas é o básico da parada!

Nesse último trabalho dá para perceber uma aposta grande na percussão, os batuques em primeiro plano, as referências ao Mulatu Astatke….

No TransmutAção eu consegui fazer o que eu estava querendo fazer há um tempão, que era isso, a percussão estar em primeiro plano! E a partir de agora as paradas que vamos estar fazendo vão ser sempre por aí, é o que eu sempre quis fazer e agora a gente começou a atingir isso. Até essa própria discotecagem que eu vou fazer em Lisboa, tem muito disso. Eu tenho gostado muito dessa cena de sons com electrónica. Vai ser o que vai dominar: o som que está rolando novo no Brasil. Só vai ter som brasileiro e produzido no Brasil.

O que podemos esperar, vai ser um “baile para pensar”?

A parada é essa! Eu comecei a fazer esse tipo de discotecagem lá em 1998, na época da prisão do Planet Hemp e daí eu não parei mais. Graças à produção de música brasileira moderna, de hoje em dia, isso me faz poder ter um set de duas ou três horas só com música actual produzida no Brasil. BaianaSystem, Tropkillaz, Raquel Coutinho, tem um monte de coisas, cara! Agora a gente está num momento no Brasil em que, musicalmente, ‘tá foda!

Num esquema de bota som, a coisa mais legal para mim é a galera chegar, dançar e sair sabendo mais do que quando eles entraram! Só vai ter música para dançar. Eu tenho vários lemas, né, e um deles é esse: “BNegão Bota Som, Informação Dançante desde 1998!” É isso que vai ser! (Risos)

Voltando ao TransmutAção para falar do contexto que vivemos… Em 2015 estavas a lançar o álbum e um ano depois aconteceu o impeachment da Presidente Dilma, então as coisas estavam bem quentes lá e…

E continua! (Risos)

Pois é… Achas que o teu álbum teria sido ainda mais interventivo se tivesse sido lançado um ano depois? De que forma isso influencia a música que fazes ou passas?

Cara, influencia a 100%… A minha ideia sempre foi essa: de alguém, daqui a 100 anos, depois de explodir tudo e nego achar algum pedaço de disco e botar para tocar (risos) que a música possa dizer sobre aquela época mesmo… Sempre penso nisso, eu falo muito na mensagem da garrafa! E se você quiser saber o que ‘tá acontecendo, tá lá! E tudo influencia, lógico. A gente estava naquele momento brutal e continua um momento de golpe, lá no Brasil. Tudo retrocedendo. Não que estivesse bom, antes, mas conseguiram botar tudo pior. E tudo isso está na minha música, com certeza. Na verdade, comecei a fazer a música por causa disso! A necessidade de expressar a reflexão do momento. Então, nada mais natural do que seguir fazendo isso até hoje e continuando.

 


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