pub

Publicado a: 24/04/2016

Beyoncé lança Lemonade

Publicado a: 24/04/2016

[FOTO] Direitos reservados

Beyoncé acaba de disponibilizar Lemonade para streaming através do Tidal desfazendo assim as dúvidas desde que há uma semana lançou um misterioso trailer a anunciar uma estreia para a HBO.



Suspeitava-se de um novo álbum “visual”, ou seja um novo trabalho musical com um vídeo específico para cada faixa, mas o que chegou ao Tidal há algumas horas é algo diferente. Lemonade conta com participações de Jack White, The Weeknd, James Blake e Kendrick Lamar.

O alinhamento completo do novo álbum de Beyoncé:

01 Pray You Catch Me
02 Hold Up
03 Don’t Hurt Yourself [ft. Jack White]
04 Sorry
05 6 Inch [ft. The Weeknd]
06 Daddy Lessons
07 Love Drought
08 Sandcastles
09 Forward [ft. James Blake]
10 Freedom [ft. Kendrick Lamar]
11 All Night
12 Formation

Lemonade pode ouvir-se aqui e ver-se neste outro link.

O novo álbum reúne, como não podia deixar de ser, muitos talentos, quer através de envolvimento directo ao nível das colaborações (casos já citados de The Weeknd ou Kendrick Lamar) e produção, quer através da relação autoral indirecta que se constrói através dos samples usados. Jon Brion, que trabalhou frequentemente com Kanye West, por exemplo, é o responsável pelos arranjos de cordas do álbum. Ao nível de samples usados há que mencionar nomes tão variados como os dos Yeah Yeah Yeahs, Soulja Boy, Led Zeppelin, Isaac Hayes, Animal Collective ou Outkast, sinal claro de uma nova atitude por parte de quem produz na hora de escolher material alheio para usar. Diplo é um dos produtores envolvidos, mas para já, no Tidal pelo menos, ainda não há detalhes artísticos revelados. Sabe-se ainda que nos créditos autorais se encontram nomes tão distintos como os de Ezra Koenig dos Vampire Weekend, Father John Misty, MNEK ou The-Dream.

Entretanto, o filme que acompanha as canções está recheado de cameos e participações e vai andar a ser decifrado seguramente ao longo das próximas semanas – trata-se de um filme com 65 minutos, com múltiplas partes, spoken word de Beyoncé, incríveis imagens subaquáticas, imagens de super-8 de mulheres negras (“the most unprotected person in America is the black woman”, diz a voz de um discurso samplado), poderosos quadros filmados com fotografia impecável, figurinos que vão obrigar os editores de moda das principais revistas mundiais a queimarem muitas pestanas…

Jay-Z aparece, como não podia deixar de ser, bem como a estrela do ténis Serena Williams ou, em mais um momento de óbvia conotação política, as mães de Trayvon Martin, Tamir Rice e Mike Brown, símbolos do movimento Black Lives Matter que surgem a segurar fotos dos seus filhos, vítimas de violência policial.

O primeiro sinal do novo álbum de Beyoncé foi dado em Fevereiro último com a controversa passagem da cantora pelo intervalo do Super Bowl e a posterior estreia do vídeo para o tema “Formation”.



A este propósito, Rui Miguel Abreu escreveu, na sua crónica semanal para a revista Blitz, um texto onde abordou a dimensão política de artistas como Kendrick Lamar e Beyoncé que, certamente não por acaso, surgem juntos num tema com o sugestivo título “Freedom”, assumindo que são de facto duas das mais importantes vozes contestatárias da América contemporânea.

Quanto mais negra a amora…

…mais doce o sumo, diz o ditado, mas a América tem tido alguma dificuldade em engolir o que artistas como Beyoncé ou Kendrick Lamar têm feito nos últimos tempos, aproveitando a visibilidade conseguida com as suas carreiras artísticas.

Ontem mesmo, Kendrick Lamar, que arrecadou 5 galardões na última cerimónia dos Grammys, embora tenha falhado em todas as nomeações mais “pop”, assinou uma incendiária performance no Staples Center carregada com uma óbvia mensagem política. Há pouco mais de uma semana, Beyoncé também usou o seu estatuto de realeza pop para transformar a sua passagem pelo intervalo do Super Bowl num momento de entrega de uma poderosa mensagem à América. Tanto Bey quanto K.Dot são duas importantes vozes da comunidade negra do país de Obama, dois modelos escrutinados em todos os seus gestos e por isso mesmo o que fazem em palco – ou em estúdio – tem um considerável eco na América e, naturalmente, no mundo.

Em comum, as performances de Beyoncé e Kendrick tiveram o facto de saberem aproveitar momentos de particular visibilidade para veicularem mensagens de vincada negritude à América. A cantora misturou Michael Jackson e os Panteras Negras, evocou o “x” de Malcolm X e ofereceu ao mundo um hino que é antes de mais nada, como Killer Mike, dos Run The Jewels, de forma muito lúcida explicou no programa Real Time de Bill Maher, uma mensagem de “empowerment” para dentro da própria comunidade negra americana: “white people, it’s not always about you”, explicou, ironicamente, Killer Mike, em reacção aos ataques de que Bey foi alvo nos media por parte da direita conservadora branca. Não que a esquerda negra a tenha poupado igualmente. A cantora é acusada de se apropriar de símbolos da negritude revolucionária para vender uma marca no mercado corporativo – ela mesma.

O caso de K.Dot é diferente: “Alright”, um dos temas premiados e interpretados na cerimónia de ontem dos Grammys, foi eleito como hino do movimento #BlackLivesMatter e tornou-se um símbolo do combate ao flagelo da violência policial dirigida a jovens negros, acontecimentos que têm estado na ordem do dia e que relembram que a América, como de resto a maior parte do planeta, tem ainda pela frente uma longa caminhada em direcção à paz e à igualdade. Tanto Beyoncé, no vídeo de “Formation”, como Kendrick, no de “Alright”, usam o carro de polícia como um poderoso ícone de uma opressão que é real e causa vítimas igualmente reais. Ambos os artistas falam por isso de uma realidade que os marca, que lhes toca, que conhecem em primeira mão.

O que é espantoso é que nem Beyoncé nem Kendrick tenham temido sacrificar alguma aceitação por parte da América branca para intervirem num momento que é decisivo na história da América, quando candidatos à presidência como Donald Trump ameaçam fazer desmoronar tanto do que, ainda assim, se conquistou nas últimas décadas. Nos anos 60, a Motown conquistou espaço nos tops e nos subúrbios suavizando a negritude das suas principais estrelas – vestidos de noite para Diana Ross, fatos de corte elegante para Stevie Wonder e Marvin Gaye – e deixando que apenas inocentes canções de amor se soltassem das suas gargantas. No arranque dos anos 70, no entanto, a história não podia ser contornada e até a máquina comercial da Motown teve que ceder espaço para que os seus principais símbolos se pudessem sintonizar com o Movimento dos Direitos Civis. E Marvin largou o fato, deixou crescer o afro e perguntou “what’s going on?”.

A história repete-se agora: Beyoncé tem um longo percurso pop, mas tem igualmente um sentido de responsabilidade, não nega as suas “narinas Jackson Five” e celebra o facto de ser negra na América de Obama. E Kendrick parece dizer aos seus pares que não esquece de onde vem e termina a sua brilhante performance nos Grammys em frente a um mapa de África com a palavra “Compton” em cima. A isto chama-se responsabilidade, maturidade e seriedade artística. Estas estrelas sabem que podem ser alavancas de mudança. E não temem usar o poder com que foram investidos. É assim que o mundo avança.

 

pub

Últimos da categoria: Curtas

RBTV

Últimos artigos