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Publicado a: 07/12/2017

Baco Exu do Blues: “O ser humano não gosta de admitir derrota”

Publicado a: 07/12/2017

[TEXTO] Núria R. Pinto [FOTO] Mavi Morais

Encontrámos Diogo Moncorvo nos bastidores do concerto de apresentação de Esú, em São Paulo. Coruja BC1, niLL, Bivolt, Síntese, Don L, Rodrigo Ogi, Muzzike e outros tantos rodeavam o baiano de 21 anos que, apesar de se confessar nervoso, parecia nunca ter estado tão em casa. A entrevista estava marcada para depois da apresentação, às 4 horas da manhã. Inevitavelmente, e ao simpático jeito brasileiro, acertámos que talvez fosse melhor amanhã. “Passa lá em casa, há churrasco!”. Assim foi. Entre um ou dois copos de cerveja, o melhor bife e a obrigatória farofa – ou não fossem os prazeres mundanos uma parte importante de Esú – falámos com Baco Exu do Blues, o MC de Salvador que, ao primeiro álbum, entra sem ressalvas para a nova escola do hip hop brasileiro.

 



Estamos na ressaca da tua primeira apresentação em São Paulo: como é que te sentes, hoje?

Nossa. Estou orgulhoso. Eu estou feliz porque a gente conseguiu fazer um evento bonito, né? E as pessoas gostaram bastante, assim, consegui sentir a energia do público… Muita gente importante para a minha carreira estava lá, muitos artistas que fizeram o estilo de artista que eu sou hoje, se ligou? Então para mim foi muito foda ter ali a galera que, tipo, para mim era referência vendo o meu show de lançamento. Tem meu público ali, também… A entrega ao sentimento do show. Isso é um bagulho que paga qualquer coisa para o artista, né? Preenche todas as coisas que você quer como artista, com sua arte, seu som, ‘tá ligado? É só isso que um artista quer e eu consegui ontem, portanto, estou tranquilo.

Estava à espera disso? Porque em alguns momentos quase nem precisaste de cantar!

Eu não estava tanto… Sempre, antes de show, eu fico muito nervoso, se ligou? Sempre acho que não vai ninguém, sempre fico “nossa, quem é que vai pagar ingresso para me ver…” Esses bagulhos, assim! Só que na hora que a gente pisa no palco, ali, parece que… né? A gente assenta um pouco e consegue controlar a situação. Que a grande sacada é como controlar o público, né? Como fazer o público confortável, ali, para participar do show… Porque o espectáculo, na real, o show quem faz é o público. O artista está ali só para… Tipo o maestro e a orquestra. Eles vão fazendo o show e a gente só vai mostrando o caminho que, depois, eles têm que seguir.

Nós estamos aqui nesta função de exportar, digamos assim, o rap brasileiro para Portugal e para todos os países lusófonos e eu gostava que me falasses um bocadinho sobre ti, para quem não te conhece e apenas para começar. Quem é Baco Exu do Blues? Como é que tudo começou para ti?

Nossa… Eu me vejo muito como um moleque, ainda, né? Eu sou muito novo, tenho 21 anos. E eu sou muita emoção só. Eu só vivo emoção. E a minha emoção vem me levando. Não tenho muito o que dizer… Não tenho muito que dizer “nossa, sou um artista isso, sou um artista aquilo”. Eu só sigo o meu instinto, ali. E vou fazendo isso. A minha entrada na música foi por instinto. Me manter na música foi instinto. Foi tudo seguindo as minhas emoções, assim… Coisa de gente nova!

Qual era a tua ligação com a música, em Salvador?

Meu irmão era músico de barzinho. Na minha família não tem muita ligação, assim, com música… Meu primo tinha uma banda de rock, eu acompanhava ele, colava nos shows dele e gostava muito. Ouvia muita MPB, blues, jazz, por causa de minha mãe. Minha mãe tinha uma colectânea gigante assim de discos e pá… Mas eu fui ouvindo mais essas coisas assim. Não tinha ouvido muito rap.

As tuas influências nunca tiveram muito a ver com rap, então.

Não.

Os “Blues” vem daí?

Também.

Para decifrarmos aqui: porquê Baco Exu do Blues?

O Baco é apelido. Exu é a entidade e Blues é a primeira música negra que fez negros milionários, né? Então é essa a junção. O apelido mesmo, que já era apelido, com a entidade negra e a música que fez os negros ricos! (risos)

No fundo todo o caminho que se abre. Essa ideia de “abrir caminhos” é importante para ti, não é? Sentes essa pressão, de alguma forma?

Não sinto muita… Eu já senti muita pressão. Hoje eu não sinto tanta porque eu acho que, cada pessoa ali, ela tem um papel, né? E aos poucos o meu papel foi-se revelando e abriu caminhos para outras coisas… Eu acredito que nem sempre quem abre o caminho é a pessoa que vai desfrutar mais daquilo, mas… Então eu não me preocupo muito em desfrutar as coisas que eu estou conquistando para abrir para outras pessoas. Eu estou pensando em conquistar mais espaço para novas possibilidades. Se isso cair sobre mim a parte boa, legal. Se cair a parte ruim também é uma consequência, né? Porque é essa a consequência de fazer coisas novas, né? Você sempre vai ser o primeiro e aí você vai sofrer as críticas e você vai sofrer os elogios. É uma faca de dois gumes muito grande.

Quando é que decidiste que era por aqui que querias ir?

Na real eu não decidi que eu queria fazer rap, viu? Eu tive que ir por ali porque não tinha voz para cantar um blues, um gospel. Porque o meu bagulho era fazer um negócio mais falado, né? E o mais falado que tinha era o rap… a cadência, ali. E eu poderia trabalhar com a dificuldade da minha voz, da minha respiração, das minhas paradas. Porque eu sou todo bichado, né? Tenho problemas de respiração, asma…

Tudo contra.

É! A voz, minha voz é toda torta… não tem afinação correcta, se ligou? Então é toda estranha. É tudo contra fazer música. Só que a gente vai contra a maré.

E depois, vi numa entrevista tua, ainda existem os problemas de dicção. E como é que uma pessoa com problemas de dicção acaba a fazer hip hop…

É isso! É a forma mais fácil de me expressar, né? Às vezes a minha dicção fica melhor cantando do que falando. Porque eu fico muito nervoso quando eu falo! Aí fico… (Risos)

(Risos) Não se nota. Falando de inícios: tens 21 anos, és bastante novo, e tens um álbum que talvez possa ser considerado um dos melhores deste ano. Também marcaste uma nova forma de pensar o rap no Brasil com “Sulicídio”. Depois disso, o que é que mudou para ti e para o panorama nacional de uma forma mais abrangente?

Para mim é muito claro: mudou que eu agora consigo viver do rap. (Risos) Hoje eu posso pagar minhas contas, ter uma casa, fazer minhas coisas por causa do rap, né? E para o cenário geral, mudou muito assim a perspectiva… Se você pegar as coisas antes do “Sulicídio”, os grupos que estavam em ascensão, qual era a galera que vivia de rap e depois disso quem começou a viver do rap… É muito clara a mudança que a “Sulicídio” trouxe. Expandiu o público, expandiu tudo… O bagulho ficou grande, não é?

Achas que, definitivamente, fez com que as pessoas começassem a olhar mais para o norte e nordeste do Brasil?

Não, fez com que as pessoas começassem a olhar para o rap em geral, como um todo! Não só o norte e nordeste mas gente de BH, Brasília…  E por aí vai. Hoje em dia você pode dizer que cada lugar no Brasil tem um representante, se ligou? O público vai saber que cada um lugar ali tem uma pessoa ali que está em ascensão. Não é uma coisa que “ah, quem é rap aí?” e são só duas pessoas que são de São Paulo ou do Rio. As pessoas pegaram e ampliaram a sua visão…

 


Baco Exu do Blues // Esú


Falando de Esú… Qual era o teu objectivo tendo este como um primeiro trabalho?

O meu objectivo sempre é incomodar, né? Trazer discussão. Então meu álbum é tipo… meus problemas ali… É muito pessoal e ao mesmo tempo muito amplo porque são os meus problemas misturados com as visões que eu tenho sobre os problemas de muita gente, e a visão de muita gente, se ligou? E às vezes a pessoa não tem coragem para falar aquilo ali nem para dizer que pensou aquilo ali e quando ela vê alguém falando ela se identifica, né? A grande brisa da escrita é essa. O grande escritor não é o que faz a parada mais nova do mundo. É o cara que consegue falar o que todo o mundo já sabe que sente só que ninguém tem coragem de sentir. Nem de sentir nem de falar… Ou admitir que pensa ou qualquer coisa do tipo. É assim que se cria a grande escrita. Então acho que é essa questão… é um bagulho ali que sempre esteve na mão de todo o mundo, que as pessoas não queriam admitir que sentiam e no momento que você fala deixa mais fácil, né? Quando alguém fala assim “não, eu também passo por isso.” As pessoas vão lá e falam, ou não, “eu também” e pá… E vêem que vão lá e que não acabou a vida por causa daquilo ali, se ligou? Admitir que tem um carnal muito forte. Admitir que é refém do carnal. Admitir que é bom e ruim ao mesmo tempo. Admitir que, pô, nem sempre está tudo bem. Se ligou? Que pressão fode com a sua cabeça… Essas coisas assim. O ser humano não gosta de admitir derrota. A gente só quer é contar vitória para o outro. É que nem o… Esqueci o nome do poeta mas o poema é meio tipo “eu nunca conheci ninguém… ninguém nunca me fala das suas falhas”…

Fernando Pessoa. “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”…

É isso! É essa a questão de “super-homem”, não é? Super-homem e super-mulher durante todo o tempo. Inclusive na música que eu falo de vitória, no álbum, é a música em que eu oscilo completamente, né? Eu falo das consequências que a vitória me trouxe. O peso que a vitória traz, né? Não é tipo “ah, sou foda!”, se ligou? É isso.

O que acaba por ser paradoxal pois, no fundo, as vulnerabilidades são aquilo que nos aproxima, não é?

É. É isso É aí o segredo. Acho que é por isso que o público se sente tão à vontade nos meus shows. Porque eu posso estar vestido da forma que for, posso estar um metro ali acima deles e minha posição nunca vai ser superior. Eu vou estar normal ali porque eu me identifico com a pessoa, se ligou? Não como o artista “uau”… Eu sou uma pessoa normal e tudo isso. Então é essa a identificação que a gente vai ter.

As coisas mudaram para ficarem mais emocionais e, logo, mais genuínas. Ou seja, já não existe aquela visão do rapper como o cara foda que está sempre bem… E este ano isso também tem sido muito flagrante em trabalhos como o do Don L, por exemplo, que se foca muito mais nas vulnerabilidades e nas falhas. O que achas que aconteceu para de repente toda a gente se ter virado para o emocional?

Eu acho que deu um limite, ali. E eu acho que essa questão emocional às vezes também é comercial. E é bonito e fofo você expor seu emocional dessa forma… Só que é muito mais foda as pessoas passarem do limite mesmo. Você se expor mesmo. No momento em que você se mostra vulnerável as pessoas querem te defender. Só que nesse mesmo momento em que você o faz de uma forma autêntica, nem todos o vão querer fazer. Vai ter pessoas que vão querer te jogar pedras… Até onde essa vulnerabilidade ela é profunda? Até onde você foi nela? Porque sendo raso, ali, todo o mundo vai achar bonito. E não vai ser novo. Todo o mundo gosta de falar, às vezes, até o cara mais forte do mundo gosta de falar “ah não, nossa, hoje estou indisposto… merecia um carinho a mais.” A questão do Esú é justamente isso. Não fazer nada fofo. Não fazer nada que seja legal para as pessoas. É o incómodo mesmo. Até as vulnerabilidade são incómodas, as conquistas são incómodas e deixa tudo isso muito claro.

O que podemos esperar daqui para a frente? Quais são os planos?

Quero conquistar o mundo. Quero fazer história de alguma forma. E acho que já consegui fazer aí umas coisas que conquistaram o rap brasileiro mas eu quero tocar o mundo, de alguma forma. Calculando aqui os planos, para mim, de como é que eu vou conseguir fazer isso. (Risos) Quero transformar o mundo em pequeno! (Risos)

 


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