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Publicado a: 22/09/2015

As aventuras de Legowelt na Nightwind Records

Publicado a: 22/09/2015

[FOTO] Direitos Reservados

 

Legowelt é um dos mais incansáveis produtores do presente. Com uma agenda permanentemente preenchida é aliás complicado perceber como é que Danny Wolfers, seu verdadeiro nome, consegue ter tempo para produzir. E no entanto, a sua discografia é monumental e tentacular. Algures no futuro haveremos, aliás, de explorar mais a fundo a obra deste produtor natural de Haia aqui no ReB, mas neste momento vamos concentrar as atenções na Nightwind Records, a mais recente operação lançada por Wolfers.

Para falar na Nightwind Records é, no entanto, útil apresentar a Strange Life Records, etiqueta que entre 2004 e 2012 operou fundamentalmente em CDR e onde Legowelt pôde inicialmente explorar uma série de obsessões paralelas levando-o a criar uma rede intrincada de alter-egos capazes de envergonhar Fernando Pessoa e todos os seus heterónimos.

Smackos, Klaus Weltman, Venom 18, Franz Falckenhaus, Phalangius, Twilight Moose, Sammy Osmo, Florenza Mavelli, Westside Box Savants, The Psychic Stewardess e Satomi Taniyama foram as identidades que Wolfers criou para no catálogo da Strange Life explorar algumas vias menos convencionais e, sobretudo, para exercitar a sua prodigiosa imaginação permitindo-lhe dar vazão a produções menos interessadas em servir de combustível para a pista de dança do que em alimentar filmes imaginários.

Embora a carreira de Danny Wolfers tenha arrancado em Haia graças a uma desmedida paixão por techno de Detroit, pelos Underground Resistance e, para citar uma influência geograficamente mais próxima, pelos Unit Moebius, a sua imaginação sempre se estendeu para lá dessas apertadas referências e algumas das suas primeiras produções já indiciavam isso mesmo ao incluírem samples de música criada para separadores de TV ou de bandas sonoras de John Carpenter.

Entretanto, ao longo dos anos, Wolfers foi construindo um intrincado universo pessoal (explorável sobretudo no seu principal quartel general na internet que é o seu site oficial, um labirinto com um aspecto gráfico que parece remontar aos primórdios da internet) que musicalmente cruza os pioneiros do techno, mas que também reconhece o próprio legado dos pioneiros holandeses da electrónica (como Kid Baltan ou Tom Dissevelt), as incríveis experiências realizadas nos domínios da library music, as bandas sonoras de John Carpenter e de todos os compositores solitários que combateram orçamentos curtos nos anos 80 com a ajuda de sintetizadores e muita imaginação, a new age, a electrónica mais aventureira dos anos 80 – dos Yellow Magic Orchstra aos exploradores do quarto mundo comandados por Brian Eno -, o krautrock mais cósmico, os pioneiros da manipulação de fita magnética, mas também alguns exploradores das possibilidades mais esotéricas da pop, o italo disco mais out, algumas das pistas baleáricas… Enfim, a sede exploratória e a curiosidade de Danny Wolfers parecem infinitas. E daí a sua nova operação: Nightwind Records.

Tal como aconteceu com a Strange Life, em que Wolfers explorou bastas vezes terrenos mais afastados das pistas de dança para responder a perguntas como “e se eu fosse um compositor britânico de library music dos anos 70?” ou “e se eu tivesse nascido em Itália e trabalhasse em bandas sonoras para filmes giallo?” ou ainda “e se eu fosse um recluso compositor de new age norte-americano?” e até “será que consigo fazer um disco como se fosse um compositor japonês de muzak?” ou “a que soam as bandas sonoras de sonhos com a guerra fria?”, também a Nightwind serve para erguer fantasias deslocadas da realidade.

A Nightwind Records conta para já com quatro lançamentos, mas, para confundir as coisas, como é sempre apanágio de Danny Wolfers, o mais recente lançamento recebe o número 5 do catálogo. Dois destes lançamentos só estão disponíveis digitalmente no Bandcamp, onde surge um outro título que não é referenciado na página Discogs da Nightwind ou na sua página oficial (mas já lá iremos), outros dois mereceram edição limitada em cassete e um deles tem edição prometida em vinil para breve. Mas vamos por partes.

 


 

[OCCULT ORIENTATED CRIME] The Occult Orientated Crime Album
(NW001, Digital)

A obsessão pelas bandas sonoras, uma vez mais. Este álbum contém 11 peças, 10 das quais oscilam entre os quase cinco minutos e os praticamente dez de duração. Ou seja, não se tratam de esboços, curtos exercícios de estilo ou micro-ideias, mas temas completamente formados e estruturados, de recorte ambiental e com óbvia tensão dramática a atirar o todo para o aparente domínio das bandas sonoras imaginárias. E depois há um 11º tema, “Norwegian Raven”, que tem 37 minutos de duração – é outro álbum em si mesmo… E trata-se, uma vez mais, de um aparente improviso em sintetizadores que o próprio Wolfers descreve como “100% psychedelic drug music” e “professional ambient”, ou seja dois opostos: derivas lisérgicas e muzak não costumam andar de mãos dadas. A menos que o nome em causa seja o de Danny Wolfers, claro…

 


 

[RISING SUN SYSTEMS] Oberheim Space
(NW002, Digital)

Em Maio passado, Legowelt foi alvo de um artigo de fundo na revista Wire onde se começava por dar conta de que o produtor se encontrava a trabalhar em dois projectos cujos títulos remetiam para o espaço – o EP Immensity of Cosmic Space e um “extended ambient set full of cosmic pulses, samples of physicists voices and lots of tangerine dreaming” cujo título seria Oberheim Space. Foi o primeiro lançamento da Nightwind em 2015, depois da estreia em 2014 com o álbum de Occult Orientated Crime. Gravado com recurso a máquinas como a Roland Juno 106 KIWI, Oberheim Matrix 1000, Korg DW8000, Yamaha SY35 ou EMU EMAX II, este é, claramente, um disco de exploração das características de cada um desses sintetizadores. É por vezes normal ouvir músicos folk garantirem que as canções já existem dentro dos seus instrumentos e que cada guitarra tem a sua personalidade. Wolfers parece trabalhar no mesmo registo, mergulhando fundo nas paletas tímbricas de cada um dos seus instrumentos para de lá emergir com estas visões de um futuro que nunca chegou a acontecer. Ou que talvez só exista numa qualquer dimensão paralela. Alguém deveria pegar na série Cosmos original e usar este trabalho como banda sonora.

 


 

[CALIMEX MENTAL IMPLANT CORP.] El Saber del Aparvor
(NW003, K7)

Curiosamente, este lançamento em cassete (numa belíssima capa em concha semelhante à de velhas cassetes VHS) não está disponível na página Bandcamp de Legowelt. Mas existe um preview generoso no YouTube que podem conferir acima. E pelo menos uma faixa no SoundCloud que Wolfers descreve como “occult g-funk” e “alien hip hop”(!!!). Com beats, embora de progressão mais tranquila do que a que se ouve nos sets que Legowelt assina para as pistas de dança, trata-se de um exercício de electro que, uma vez mais, poderia ter cabimento num qualquer rip off low budget de Miami Vice ou Beverly Hills Cop nos anos 80. Trata-se de música electrónica que existe apenas para satisfazer a curiosidade fantasiosa do próprio Danny Wolfers mas que felizmente mereceu uma edição física em K7 que, ao que tudo indica, vai agora ter um upgrade para vinil duplo.

 


 

[SAAB KNUTSON] Electronic Music From The Faroe Islands 1993
(NW005, Digital, K7)

O título é a prova de quão específica pode ser a mente fantasiosa de Danny Wolfers. Localização geográfica e ano (espaço e tempo…) servem para este produtor, aqui a assinar como Saab Knutson, entrar num mindstate muito específico, de toada ambiental, uma vez mais, mas bem mais soturno do que aquele que explora em Oberheim Space. “Música ambiental nórdica com um tonalidade subterrânea de melancolia sombria”, como o próprio autor refere na página Bandcamp. Desta vez as ferramentas são diferentes: Yamaha DX100, Roland JX3P, Alpha Juno 2, E-MU 16 Bit Digital Sampling Keyboard, o que reforça a ideia mencionada antes de que Wolfers parece extrair a direcção de cada um dos seus projectos das máquinas convocadas para a acção em cada momento. Outro título que bem merecia ascender a uma edição em vinil.

 


 

[EXTRAS]

Na sequência de catálogo da Nightwind está, para já, ausente o quarto título, mas há pistas dispersas pelo Bandcamp e pelo SoundCloud a que importa dar alguma atenção:

 

 

[LEGOWELT] Loch Ness Complete Soundtrack 2013
(Digital)

Tecnicamente não é uma edição da Nightwind e até data de um ano anterior ao estabelecimento do selo, mas encontra-se no Bandcamp de Legowelt como o único título extra para lá das edições mencionadas atrás, todas com carimbo Nightwind, o que significa que o autor lhe deve adivinhar alguma correlação estética. Trata-se da banda sonora para um jogo para o computador Commodore 64 (supostamente nunca terminado) realizado com um par desses computadores no Inverno de 2013. Electrónica lo-fi de extraordinária luminosidade que parece encerrar na perfeição o espírito de uma época em que a tecnologia prometia um futuro absolutamente incrível. Está disponível para download gratuito.

 


 

[LEGOWELT] Institute of the Overmind
(Digital)

Esta faixa está disponível no SoundCloud e é um mais óbvio objecto de pista, com o seu quê de acid, mas ao mesmo tempo com uma melancolia profunda. A Nightwind é apresentada como o “North Sea Institute for the Overmind”, uma ideia que surge replicada no título deste tema de quase sete minutos, o que poderá indiciar uma ligação a este catálogo? Só Danny Wolfers poderá responder a isso. Este tema foi criado como a resposta a um desafio da Fact TV e está planeada uma edição através da Unknown to Unknown que contará com uma remistura do produtor português Photonz.

 


 

[OSIRIS HAIR SALON] My Life in a Bush of Spaceweed
(Digital)

Uma vez mais, o 4/4 remete-nos para a pista de dança, mas o texto criado nos sintetizadores remete mais para o espaço. O artwork deste tema no SoundCloud é o mesmo que serviu para Legowelt promover a sua recente digressão pelos Estados Unidos e a sua estética remete directamente para as capas dos trabalhos assinados como Saab Knutson e Calimex Mental Implant Corp. Isso não tem nenhum significado especial para lá de nos dizer que saiu do mesmo punho, mas se Wolfers estiver a criar uma identidade gráfica para a Nightwind isso poderá querer dizer que “My Life in a Bush of Spaceweed” (brilhante e bem humorada referência ao clássico álbum de Brian Eno e David Byrne) poderá ver a luz do dia nesse selo (e continua-nos a faltar o título correspondente ao número de catálogo NW004…). E, claro, pormenor a não descurar: Osiris Hair Salon é um nome que encaixa na perfeição com Saab Knutson ou Calimex Mental Implant Corp…

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