Texto de

Publicado a: 31/05/2017

pub

ace-review

[TEXTO] Diogo Pereira

Esta parece ser uma era de ressurgimento para o hip hop nacional. Depois de Fuse regressar após 13 anos de ausência com Caixa de Pandora, agora é a vez de Ace, veterano do rap português, quebrar o jejum com Marlon Brando, a sequela de Intensamente, estreia a solo do ex-membro dos Mind da Gap, editado pela NorteSul em 2003.

Tal como o seu homólogo, esta é uma edição de autor, independente, sem código de barras ou número de catálogo, enviada pelos sempre prestáveis CTT num modesto envelope de papel reciclado via Correio Verde, directamente do músico para a residência do ouvinte, que o encomenda para uma conta Gmail e paga directamente ao próprio. Editoras nem vê-las.

Apenas o agenciamento e os habituais links do Facebook e YouTube, bem como o habitual patrocínio de marca de streetwear (semelhante aos DC Shoes de Fuse) e um apoio da Fnac, que fabricou o disco a troco de poder vender metade do lote.

E sem esquecer um autógrafo personalizado no interior, acompanhado de uma mensagem bonita enviada depois de feita a encomenda:

“Obrigado pelo voto de confiança no meu trabalho e pelo teu apoio. É por te saber desse lado que me mantenho deste, a resistir e com vontade de mostrar aquilo que faço na minha cave.”

 

Já começam a notar um padrão?

Tudo isto por conta de Nuno Carneiro, que também ficou responsável pela produção (sob o pseudónimo Gourmet Beatz), gravação, mistura, masterização e até pelo design gráfico, gesto que é de louvar. Só não fabricou o CD, como me disse a brincar. Mais não se pode pedir a um músico.

Tanto Fuse como Ace devem ter aprendido a lição com anos de lidar com as editoras que lançaram os registos das suas bandas (Valentim de Carvalho e NorteSul), porque a tendência parece ser a de seguir pelo caminho independente sem olhar para trás.

Marlon Brando é sem dúvida um espectáculo a solo em todos os aspectos, a começar por uma notável e completa ausência de convidados, o que dá que pensar (aliás, sente-se a falta de uma boa posse cut, como nos álbuns a solo de Fuse).

Talvez isso seja reflexo de uma certa atmosfera de desencantamento, que não é de surpreender: afinal foi Ace que, recentemente entrevistado pela SIC para a rubrica Perdidos e Achados dedicada ao hip hop português 14 anos depois, lamentou publicamente o fim dos seus adorados Mind da Gap, que uma década antes tinham ajudado a pôr o hip hop nortenho no mapa e nas rádios e televisões (quem não se lembra dos telediscos de “Bazamos ou Ficamos” ou “Todos Gordos?”).

Mas o tom aqui não é de cinismo ou pessimismo, pois Ace não perdeu a esperança e não deixou de acreditar naquilo que faz (afinal, conseguiu lançar um single como “Amor Pela Vida” nessa mesma altura). O tom também não será propriamente de humildade, facto evidente desde logo na capa do disco que retrata o rapper portuense de rosa vermelha no bolso do fato, acariciando um gato no colo, em jeito de vilão mafioso.

Para tentar compreender esta obra, olhemos, pois, em primeiro lugar, para o passado recente do artista.

Antes disto, Ace esteve envolvido num álbum de colaboração com Roger Plexico, duo de produtores nortenhos, em que o ouvimos a experimentar com ritmos sintetizados e futuristas e manipulações vocais, sinais próprios de uma era digital, forçando-se a abrandar ou acelerar o ritmo da sua voz e ajustar a velocidade dos seus versos às batidas electrónicas que serviam de base às suas letras.

E se esta parceria foi um desafio para testar os seus limites, desafio a que respondeu com competência e aprumo, Marlon Brando foi, porventura, um teste à sua consistência, que também não falhou.

Falando em testes, também teve hipótese de ensaiar os seus dotes de cantor no seu projecto CRU, quarteto soul-funk de slow jams com sensibilidades pop e letras jocosas e pitorescas (“Mas nesta via láctea semântica, perco a noção, fico sem direcção”, “Vamos ser especialistas na arte da negação, tragam alguém para nos ajudar na tradução”, “Somos monólogos em divórcio recíproco”, canta em Espaço), ou confessionais e íntimas (“Abre o balde de memórias, foge do remorso”, canta em “Tens Mesmo de Querer“).

Afinal foi ele que cantou alguns dos refrões mais memoráveis do rap português dos últimos vinte anos, como “Bazamos ou Ficamos”, “Não Stresses”, “Bom Dia” e “Brilhantes Diamantes”.

Entretanto também lançou um single dedicado à filha, “Amor Pela Vida”, no ano passado, que chegou a alcançar sucesso nas rádios. Um hino à autoconfiança e à persistência, carregado de mensagem positiva, com sabor a Verão e batida muito comercial (ritmos e sopros caribenhos), cujo vídeo contou com cameos de alguns clássicos do hip hop tuga a cantar as letras (Maze, Sam the Kid e o seu antigo colega Presto). Tudo isso sinais que já faziam adivinhar o seu regresso, apenas concretizado este ano:

“Ele está vivo, apesar do que tem acontecido

Ele diz ‘eu sobrevivo’

Tenho observado o que tem sucedido

Mas não há força como a minha nunca me dou por vencido”

 



Voltemos também ao seu passado mais remoto.

A sua estreia a solo, Intensamente, foi um conjunto ecléctico de faixas de autoconfiança e afirmação pessoal (“Eu Consigo”, “Sem Medo”, “Admirável Mundo Novo”, “A Procura”), crescimento e maturidade (“Quando Sou”), amor romântico (“Cor-de-laranja”, “Aquela”) e esperança no futuro (o que explica porque se rodeou de convidados como Maze, Mundo e Presto, rappers conhecidos pelo seu positivismo), misturadas com alguns momentos de crítica social (Só Posso Ser Eu), battle rap agressivo (De “Gaiolin” a “Novagaia”, “Pergunta-te: Quem É O Nº 1”, “Que É Que Tu Queres?”) e sons de festa (“‘Pra Gera Que Sabe”, “Mostra O Teu Orgulho”, “Tu Sabes”), sob batidas clássicas 4/4, e muitos bleeps e bloops electrónicos ao lado de samples mais comuns de soul e rock progressivo.

Esse ecletismo também surge em Marlon Brando, embora esta não seja uma obra tão ambiciosa como o seu antecessor, álbum de dezanove longas faixas com direito a interlúdios instrumentais e até um skit humorístico, lírica e ritmicamente mais ligado ao passado e à era dourada do hip-hop. Pese embora o título, Marlon não tem âmbito nem pretensões cinematográficas. Não há aqui, porventura, cortes tão memoráveis como “Cor-de-laranja”. Mas tem um som mais polido e encorpado.

No seu press release, em Fevereiro, em antecipação do seu regresso, confessou-nos tratar-se não de um álbum no sentido clássico, mas de uma mixtape com uma mescla de sons que gostou e que foi guardando ao longo do tempo, sem fio condutor ou conceito unificante, em torno de um apodo que lhe foi atribuído pela sua incontestável vetustez no panorama do rap nacional, bem como o seu apadrinhamento de novos valores: “o Padrinho” (curiosamente, esse apodo é mencionado pelo próprio em “De gaiolina a novagaia”, de Intensamente, no verso “sou padrinho, nada temo, nada engulo”). Abordagem que se reflecte no álbum, um conjunto breve de faixas dispersas (menos de quinze), em tom, sonoridade e conteúdo lírico, algures entre o EP e o LP.

 


Ace: “Percebo que o público de rap actual não se identifique com muitas coisas que digo”


Em entrevista ao Rimas e Batidas, disse-nos que foi impedido, por força do destino (porque “não acredita em coincidências”), de lançar o seu álbum por contínuo trabalho com os Mind da Gap e alguns “acidentes” informáticos. Ocupado com a sua banda, por respeito a esta venerável formação, decidiu adiar o seu caminho a solo indefinidamente, até neste caso 14 anos. Uma vez terminado o grupo, num comunicado abrupto e unilateral que adquiriu contornos de infâmia, o caminho estava livre para Nuno Carneiro dedicar as suas energias a este projecto.

Na mesma entrevista disse-nos: “Consigo não ser o Ace de antigamente, de ser muito reactivo e de quase andar à procura de motivos para estar zangado para escrever.”

A verdade é que, como nos diz o título de um dos singles da sua parceria com Roger Plexico, Ace está bem a estar bem. Esse é definitivamente um dos tons deste álbum.

A título de exemplo, na faixa que abre Intensamente, de 2003, “Eu Consigo”, disse-nos “Não quero um castelo, quero uma cabana e amor”. A profecia concretizou-se, porque Ace, tal como Fuse, é hoje um homem de família, pai e esposo, e isso traduz-se na atmosfera positiva e humilde de algumas das letras.

A princípio, Marlon Brando aparenta ter uma nova sonoridade, que se revela logo na faixa de abertura, “O Padrinho”, com vozes electronicamente manipuladas em tom deliquescente e lânguido (que nos anunciam “Tenho uma proposta que não podes recusar”) e ritmos sintetizados que evocam muito mais Drake ou Lamar que o boom bap dos anos 90, a fazer adivinhar que estamos na presença de um álbum de rap moderno do século XXI.

O início do novo trabalho soa a final da segunda década do século XXI (não fosse o título de uma das faixas uma hashtag). Ace disse-nos que era difícil dissociar-se dos Mind da Gap, uma parceria de tantos anos, mas uma coisa é certa: ouvindo este álbum, a princípio, ficamos com a sensação de que longe estão os tempos de “Atiradores Furtivos”, “Suicídio” ou “Cavaleiros do Apocalipse”, no que toca ao som e à agressividade conflituosa e beligerante das letras e do tom em que elas são cantadas.

Mas a estrutura das canções é a mesma, tanto dos seus álbuns com os MdG como do seu álbum a solo: refrões cantados e muito orelhudos, que ficam na cabeça imediatamente depois de os ouvirmos, rimas velozes e fluidas, letras ora agressivas ora intimistas, em tom confiante ou confessional, respectivamente, batidas 4/4 sintetizadas, e alguma manipulação electrónica, sobretudo da voz.

Não temos a crítica social de “Socializar Por Aí”, as reflexões melancólicas e pesarosas de “Suicídio”, e a honestidade desarmante de “Falsos Amigos”. O álbum divide-se entre hinos positivos à persistência e autoconfiança (um deles faz lembrar o clássico “Ser Ou Não Ser” de Valete), cartas de amor à vida e os habituais momentos de jactância.

O que ficou foi sem dúvida a atitude: Ace (que comemora 24 anos de carreira) está confiante, maduro e seguro de si mesmo, o que se reflecte no conteúdo das letras. Ao longo de treze faixas, divide-se entre a reflexão sobre a passagem do tempo, o crescimento e a identidade (“Só Vives Uma X”, “Eu Sei”, “Sou Antigo”, “Não Sou Perfeito”, “Força”), canções de amor (“#Tou Perdido”, “Tantas Vezes”, “Só Podes Ser Tu”) e a afirmação do seu estatuto no hip hop português (“Eles Querem”, “Marlon Brando”, “1, 2, 1, 2”).

Essa confiança atinge o auge na faixa que dá título ao álbum, em que evidencia que os seus dotes líricos ainda estão mais do que no sítio numa torrente de versos prontas para uma battle:

“Atípico, meio utópico

Crítico, quase crónico

Cínico a roçar o cómico

Libido ‘tá no trópico

Físico a fugir para o tísico

“Disléxicos sem nexo

Periféricos no hemisfério

Protótipos sou arquétipo de flow sério no stereo

Metafísico, enigmático

Mistério alfabético

No mister sou esotérico”

 

Mas também há momentos de humildade, e o seu tom de voz oscila entre essa segurança ostensiva e uma introspecção mais subtil e serena.

Aliás, um dos momentos altos do álbum, e a canção mais longa (cinco minutos), “Sou Antigo”, é uma ambiciosa reflexão sobre a inexorabilidade do tempo, a incapacidade de mudança e a humanidade de todos nós (“Foram projectos lindos de sonhos idílicos transformados, agora são só restos de homens infelizes reencarnados”), que mostra bem a maturidade e os talentos de escrita e composição de Nuno Carneiro.

Essa sensibilidade dualista também estava presente em “Inveja”, do seu primeiro álbum:

“Quem disse que não posso ser idealista e vaidoso?

Sempre fui, não é nada recentemente cultivado”

 

Em Marlon Brando apenas reiterou essa ideia.

O single de lançamento, “Só Vives Uma X”, provavelmente o de sonoridade mais comercial, começa com um suave arpeggio sintetizado ao qual se junta uma batida electrónica downtempo e um refrão cantado em voz modulada, provando mais uma vez que Ace tem o pulso sob os tempos que correm e o público de rap moderno.

 



Esse som continua com “#Tou Perdido”, canção de amor melada conduzida por um loop de soul e vozes vocoderizadas, outra das faixas mais comerciais de todo o álbum.

De resto, a electrónica permeia todo o álbum. Ace parece ter entrado definitivamente no século XXI, e abraçado a sua sonoridade sem freios, tendo aprendido a lição que colheu da sua colaboração com Roger Plexico em 2015. Ao longo destes 50 minutos ouve-se muitos bleeps e bloops, muitos claps e hi-hats, e muitas vozes moduladas (o vocoder e o pitch-shifting são presenças frequentes). E não se ouve o scratch de um DJ, que já é coisa do passado. Quem ouvir as primeiras quatro faixas achará que longe vão os tempos do boom bap, que agora é substituído por um “tum tss tss”.

E no entanto, quando já perdemos a esperança, Ace volta a surpreender-nos, porque Marlon Brando é muito mais do que isso. Curiosamente, o resto do álbum é, sonicamente falando, bem mais ecléctico. Ouvem-se sopros e pianos de soul, e até uma guitarra acústica plangente em “Não Sou Perfeito”.

Mas Ace joga pelo seguro, pois Marlon Brando é uma obra familiar. O mesmo swag, a mesma confiança na voz, o mesmo olhar interior, a sabedoria, no flow e no conteúdo das rimas.

No fundo, Ace está voltado para o futuro, sem se esquecer de onde veio, o que parece uma banalidade, mas faz sentido para quem ouve Mind da Gap no mesmo disco em que ouve CRU ou Roger Plexico.

Não há sons de festa, mas muitas batidas são dançáveis. “1, 2, 1, 2”, o mais próximo aqui disso, parece uma faixa de The Ownerz, evocando Gangstarr e Primo com os seus sopros vitoriosos e potentes dicas de battle.

A melhor e mais interessante música, curiosamente, é “Tantas Vezes”, uma reflexão amarga em tom confessional sobre o fracasso de uma relação amorosa, feita de rimas inteligentes e honestas, das quais se destacam:

“Não me apercebi da distância que já existia

Para mim o amor é simples, pensei que ela sabia

Não sabes aquilo que custou nos primeiros tempos preencher o vazio

Recuperar o tipo que era, encontrar o que sou mas hoje sorrio

Também não interessa a vitória se é suposto nunca chegares à glória

Para funcionar, tu não podias ser tu, eu não podia ser eu,

Qual é o interesse disso?

Seguimos opostos por receio de perdermos o que éramos, para ser só uma metade disfuncional”

 

Os momentos mais infelizes são quando se contradiz, defendendo-se contra acusações de arrogância num tom que acaba por dar razão aos seus acusadores (“Vocês tremem sempre que eu falo”, “Não ‘tou inscrito nisto para ser igual, sinto-me à parte, o que eles acham genial eu acho um puro disparate”, “Pai desta merda toda”, “Tanta gente queria ter o currículo que eu tenho, mas de onde eu venho só há um padrinho”). Mas esse ego tripping fez sempre parte do rap, um género não conhecido pela humildade dos seus praticantes, em que, acima de tudo, é preciso projectar uma imagem de sucesso.

Embora com esta idade e experiência não se perdoe uma certa demagogia em relação aos seus alvos, bem como a repetição de algumas platitudes (“O tempo não espera nem anda para trás”, “Faz o que tens a fazer, não te importes com o que possam dizer”, “Sofrer desilusões é ver o fim das ilusões”), a verdade é que o seu músculo liricista continua em forma, como nos habituou desde os tempos de Mind da Gap: continua a dominar a língua portuguesa, num discurso fluido que nunca é monótono ou insistente. E que também é rico e expressivo, pleno de vocabulário estimulante, comparações e metáforas (a minha favorita: “Somos manadas em estradas com portagens bem caras”), e ao mesmo tempo simples e acessível, no seu coloquialismo informal, que envolve o ouvinte sem nunca o alienar. E por vezes produz interessantes, destros e memoráveis jogos de palavras e rimas internas que fazem lembrar Sam the Kid, como:

“Segue o instinto que te guia se te liga

Já não ficas preso às dicas

Porque os dias mudam sim nas fases

Figas mas críticas fazem vítimas”

Ou

“Hoje em dia gajos são banais para terem tiques de ricos

Os meus tiques são normais eu é que tenho toques de exclusivo

Edição limitada, o único exemplar conhecido

O emcee favorito do teu rapper preferido”

 

Será que Ace mudou, passado tanto tempo? Não. Continua a gostar de cantar, a ter fé no futuro, que encara de cabeça erguida. A mesma dignidade, a mesma maneira de estar na vida. E até os mesmos dotes de galã que ouvimos mais de uma década antes em “Bazamos ou Ficamos”.

O que não é de surpreender, porque a tão banal e humana procura da felicidade e de aperfeiçoamento espiritual sempre foi a quimera de Ace, desde os seus tempos de Mind da Gap.

Na verdade, aliás, essa busca já estava presente em Intensamente, o seu álbum de estreia, com o qual também estabelece outros paralelismos.

Por exemplo, em “Cor-de-laranja”, Ace estava apaixonadíssimo (“Não me iludo, mas acredito no sentimento”), e aqui também volta a tocar no amor, embora imbuído de melancolia fruto da experiência.

Também o peso da idade se nota, nas decisões que tomou e nas consequências que isso acarretou na sua vida. Na verdade, Ace sempre soube o quanto custa dedicar uma vida à música. Em “A Música”, de Intensamente, afirmava, compungido, com honestidade e dor:

“Não percebo como nem porquê, mas é a realidade

Ainda acredito que a música é a minha mais pura verdade

Pus o meu futuro no prego, penhorei a vida

Decidi que não queria viver lado a lado com a mentira”

Noção que reiterou em “Inveja”, do mesmo álbum:

“Não sou hipócrita, claro que quero vender muitos discos

Esta é a minha vida há dez anos puto eu corro riscos

Deixei tudo para trás, esqueci tudo o que tinha

Troquei tudo pelos momentos em que estou só com uma rima

Não sou vítima, carrego os pesos que quero”

 

Pode dizer-se que Marlon Brando tem uma sonoridade mais comercial, e uma sensibilidade pop continua a colorir a sua música, sobretudo graças aos seus refrões cantados e orelhudos, à mensagem positiva das letras, às flautas e sopros solarengos de funk e soul e aos ritmos electrónicos e dançáveis. O que não é de surpreender tendo em conta que os Mind da Gap sempre foram a banda de rap de maior sucesso cá do burgo.

Mas isso não significa que seja mais diluído, porque os ingredientes estão todos lá, nas doses certas.

Ace não fez a transição completa para artista pop, mas sem dúvida que incorporou muitas sensibilidades comerciais patentes na sua música, numa geral abordagem radio friendly, pelo menos nos singles.

E experimentou novas tonalidades, não apenas na sua voz, mas também em rimas mais aceleradas, ritmos mais techno e letras mais densas e introspectivas.

Que dizer de Marlon Brando, no fim de contas? É um álbum esparso e curto, originalmente concebido como uma mixtape. E talvez não tenha muito de inovador. Isso retira-lhe algum peso, o que faz com que não seja tão memorável como a restante obra deste veterano, mas tem boas músicas, boas letras e bons instrumentais. Este Ace não é rico em novas ideias, mas é um regresso competente que cumpre o que promete: ser fiel aos seus princípios.

E o balanço é mais do que positivo: o álbum é, por um lado, um regresso ostentatório e vistoso, mas também divertido, luminoso e gratificante para quem o ouve. Basta sabermos abraçar o seu ethos, entregarmo-nos ao seu alarde, escutarmos as letras e abanarmos a cabeça ao som dos seus ritmos.

O álbum termina com um trecho de uma entrevista de Joey Bada$$ ao programa de rádio The Breakfast Club, sobre a dificuldade dos fãs de rap em lidar com o aumento em popularidade do seu rapper favorito, e a sua vontade de crescer e alcançar novos horizontes. Talvez este fim seja simbólico da atitude de Ace nesta fase da sua vida e carreira, aos 44 anos: não tenciona desistir nem estagnar. E é bom ver que ainda se encontra de pé a fazer o que gosta, com orgulho e prazer, neste ambiente difícil das rimas e batidas. Estaremos cá para o acompanhar.

 


pub

Últimos da categoria: Críticas

RBTV

Últimos artigos