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À espera de Frank

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados

 

O mundo é diferente, agora. Tempos houve em que se anunciava a data de edição de um disco e quando o calendário lá chegava tudo acontecia como previsto: o tal disco aterrava nas prateleiras das lojas, a rádio já o ia tocando, os canais que emitiam video-clips amplificavam o seu sinal e nas páginas das publicações mais centradas na música era possível ler o que os artistas tinham para dizer sobre o lançamento em causa. Tudo isto era um ballet coreografado com mais ou menos graça, mais ou menos harmonia, mas ainda assim um ballet.

Sejam, entretanto, bem-vindos ao presente: há discos que não saem, antes vão saindo, devagarinho, tomando forma em público, sendo apurados e terminados em frente dos nossos olhos e ouvidos. Outros que saem, mas não em todo o lado, ficando disponíveis apenas para os que assinam determinado serviço de streaming. Outros que nem imaginávamos que estariam para sair, mas que saem na mesma, para surpresa geral. Outros que nem chegam a ser discos, mas meras canções soltas, que parecem surgir de geração espontânea, sem que nada o fizesse prever, causando impacto e forçando, enfim, a que um disco aconteça (já ouviram, por exemplo, falar em Desiigner? Saibam que Panda não é só nome de canal infantil).

Depois há discos que nem sabemos bem de quem são, mas que aparecem na mesma, qual milagre, perfilhado por um qualquer agitador que até pode não tocar, cantar ou sequer escrever, mas que ainda assim, como verdadeiro agente provocador, lá coloca o nome na capa (aconteceu agora com Major Key, de DJ Khaled, por sinal um belo disco, mas, na verdade, o que este tipo faz em 2016 nem chega a ser muito diferente do que o que um outro tipo, Malcolm McLaren no caso, fez no arranque dos anos 80). Há também grandes canções que são afinal de contas anúncios de futuros álbuns: centrando-nos ainda em Major Key de Khaled, detenham-se por favor em “Nas Album Done”: podia ser um tweet do patrão da Mass Appeal, podia ser o título de um jornal com uma relação um pouco mais livre com as especificidades gramaticais da língua inglesa, mas é mesmo uma canção que anuncia um futuro que ainda não sabemos quando vai acontecer, mas que é certo como o destino…

E em cima disto tudo temos Boys Don’t Cry de Frank Ocean (um aparte: Summertime 06 de Vince Staples citava a capa de Unknown Pleasures dos Joy Division, agora é o homem de channel ORANGE que cita os Cure… nostalgia ultra pós punk, certo?): um disco que é para já uma absurda instalação artística num site que vai contando o tempo (http://boysdontcry.co/), com um carimbo que vai remetendo para a frente, como na famosa peça de Samuel Beckett em que Vladimir e Estragon aguardavam pela chegada de Godot, que nunca se materializava, “talvez amanhã”. Como aos personagens criados por Beckett, resta-nos esperar. Talvez o disco chegue até mais cedo do que o carimbo mais recente no site de Ocean deixa entender: remete-nos para Novembro, mas nestas coisas mais vale não suster a respiração e manter os browsers abertos.

 


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Texto originalmente publicado no site da Blitz. 

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