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Publicado a: 11/03/2017

Quando a Ninja Tune tinha 20 anos

Publicado a: 11/03/2017

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTOS] Direitos reservados

Tem de haver substância para uma editora chegar aos 20 anos de actividade em 2010 e ter matéria para preencher as páginas de um livro. Não pode ser apenas a música, sobretudo no terreno da electrónica aplicada aos clubes onde tantas editoras têm uma existência graficamente anódina ainda que possam abalar os sistemas de som dos clubes. No caso da editora de Jonathan More e Matt Black, que é agora retratada nas páginas de Ninja Tune – 20 Years of Beats and Pieces da autoria de Stevie Chick (edição da londrina Black Dog Publishing), há certamente muita e revolucionária música e as imagens e memórias certas para a acompanharem. É que a Ninja Tune, à sua maneira e à sua escala, mudou o mundo.

 



Jonathan More lembra-se bem dos primeiros passos da sua editora: «Tínhamos um plano: regressar às nossas raízes e fazer o que sabíamos melhor. Sermos nós próprios, fazer música e reunir uma tribo que pensasse da mesma forma. Foi um processo lento e certamente beneficiamos hoje dessa longa história. Nunca quisemos dominar o mundo, muito longe disso, queríamos antes um lugar apropriado para ninjas. Estamos a chegar lá agora, é uma longa viagem que se faz melhor pelo caminho panorâmico, construindo lentamente o nosso roster de artistas e os nossos shows em clubes. A noite Stealth no Blue Note em Londres foi uma época importante para a Ninja. E tudo correu bem. É o que é irmãos e irmãs…»

A Ninja Tune nasceu quando Matt Black aplicou o seu amor pelo hip hop e pela estética de colagem (e uma herança do avô que serviu para comprar algum equipamento…) ao clássico «Say Kids What Time is it?», um disco carregado de samples que era directamente inspirado pelas míticas «Lessons» da dupla nova-iorquina Double Dee & Steinski. Na época, Jonathan trabalhava ao balcão da Reckless Records, no Soho de Londres, e quando ouviu o tema decidiu propor a Matt uma edição conjunta, «pirata», claro, já que não havia autorização legal para tantos samples. O disco foi feito, vendido ao balcão da reckless como uma importação americana anónima e a editora arrancou. E rapidamente ganhou uma identidade.

 



«Nós estávamos na sala do lado», refere Jonathan, dando a entender que a Ninja nunca procurou a norma, mas a alternativa, «não a sala grande em que se ouvia música de dança genérica». E o que é que os definia, afinal de contas? «O nosso amor pelo hip hop misturado com uma atitude punk e uma pitada de funk e tudo servido com tecnologia… o nosso amor pelo corte e costura, tecnologia de sampling, velhos discos, sintetizadores, caixas de ritmos, os samples de voz falada… tudo isso serviu de molde para vários géneros que apareceram. O nosso amor pelo design, o termos encontrado Strickly Kev, o nosso director de arte, tudo isso trouxe um foco distinto à editora».

De facto, uma das coisas que desde cedo distinguiu a Ninja Tune foi a estética imaginada por Strickly Kev e rapidamente espalhada por capas de discos, flyers, páginas de revista, autocolantes e todas as superfícies imagináveis. 20 Years of Beats and Pieces (ver caixa) vive dessas imagens que ajudaram a focar uma atitude particular e que impuseram uma identidade que o ecletismo das edições – entre o hip hop, o acid house, o funk, o electro e algo mais distintamente britânico e dançável – poderia ter tornado mais difícil de definir.

 


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Para comemorar 20 anos de intensa actividade e a sobrevivência à era de todas as crises, a Ninja assume agora diversas formas. Além do livro de Stevie Chick há uma série de outras entradas no calendário festivo, como Jonathan (mais ou menos…) esclarece: «Temos planeada uma caixa massiva que olha para o futuro com uma selecção fantástica de novo talento ninja e ainda algumas remisturas certeiras do nosso fundo de catálogo. Muitos nomes do catálogo estarão na estrada com espectáculos ao vivo, haverá uma grande festa em Londres-Paris-Berlim-Brighton-Bristol, coisas especiais para a Internet, downloads gratuitos, muitas coisas da Ninja». O modo telegráfico é certamente justificado pela azáfama que rodeia o quartel general da Ninja Tune, em vésperas de soprar as 20 velas do bolo.

O site oficial da editora, um dos mais antigos do género, mantém uma enérgica presença na rede mundial, apenas um dos sinais de adptação às transformações no mundo da tecnologia. «Há que amar as oportunidades e tudo se resume a scratchar o que acontece ao nosso próprio ritmo», explica, de forma bastante musical, Jonathan, quando fala no peso da Internet no mundo da música: «Não nos prendermos ao detalhe é essencial, mas testar a informação. A Internet ainda é uma ferramenta, por isso é preciso estar atento a como, quando, porquê… se lerem muita ficção científica vão descobrir que está tudo lá».

Mas o facto de os 20 anos estarem espalhados por 100 gloriosas páginas e caixas massivas de cds e vinil não significa que tudo tenha sempre corrido bem e o homem dos Coldcut é rápido a confessar que nem sempre tudo correu sobre rodas… de aço: «Houve alguns tiros ao lado, como por exemplo quase nos termos afundado no poço dos géneros: trip hop, big beat, ambient, grooves de bar de chill out. É tudo uma caixa e por isso mesmo sair da caixa foi bom. Mas também convém não nos afastarmos muito porque a nossa tribo precisa de ter um bocadinho destas caixas à vista ou vão-se preocupar. Algum do nosso passado está muito preso às preocupações: não nos juntarmos ao rebanho foi bom, mas não contratar uma banda por termos medo de sermos arrastados pelo rebanho já não foi tão bom».

 



Resumindo, estas duas décadas estão cheias de histórias, de acontecimentos, de alguns obstáculos, mas também de grandes conquistas. Para Jonathan há momentos que se destacam: «Ver a Cinematic Orchestra no Royal Albert Hall para tocar Man With a Movie Camera, todas as vezes que ouço uma faixa da Ninja Tune no gira-discos de um clube, contratar Eskmo». Sempre com os olhos no futuro, Jonathan More não hesita em destacar como ponto alto da história da Ninja a contratação de um produtor de São Francisco, Eskmo, que é colocado no mesmo patamar de gente como Flying Lotus ou Amon Tobin. Uma atitude saudável que Jonathan resume da melhor forma: «Tentamos manter tudo simplesmente louco com a música e ter muito cuidado com o dinheiro». Aí está o segredo.

 


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[20 ANOS EM LIVRO]

A Black Dog Publishing, editora de Londres muito ligada às questões da música (lançou os belíssimos Old Rare New sobre lojas de discos e Krautrock sobre… hum… krautrock) associa-se à comemoração dos 20 anos da editora de artistas como Cinematic Orchestra, Coldcut ou Mr Scruff com a edição do livro Ninja Tune – 20 Years of Beats and Pieces. Além da história na primeira pessoa contada pelas principais cabeças, passa-se em revista as diversas fases da agitada história da editora – incluindo o nascimento do selo Big Dada que deu ao mundo Roots Manuva – e tudo com um cuidado gráfico que iguala a identidade visual que distinguiu a Ninja ao longo dos anos. Há muitas capas de discos, posters, fotografias de noites em clubes, de estúdios, de flyers e autocolantes e tudo o mais que se possa imaginar. Uma espécie de DJ set, mas com imagens, em vez de discos.

 


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